quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

O Novo Mundo (Terrence Mallick, 2005)

3,5/4

lindo de doer. aliás, o que mais me chamou atenção nem foram os planos belíssimos, a fotografia imensa e exuberante que ressalta as matas virgens ou a história de amor, conquista e fracasso, mas sim a maneira com a qual o Malick dá forma a tudo isso. o primeiro ato, a descoberta do novo, montado plano a plano sob elipses temporais, dá um aspecto de estranheza, de desconhecimento, que te submerge em uma incerteza quanto ao próprio formato artístico cinematográfico. no segundo ato, a descoberta do amor, Malick carrega as imagens com um lirismo que impressiona, amortece, conduzido pelo romantismo e pelas reflexões brotadas através do arco de personagens e suas condições factuais. no terceiro ato, a superação das inevitabilidades do destino, o novo já não é mais novo, mas o amor permanece, ainda desconhecido, porém insuperável, triunfante nas trevas do peito, conduzindo tudo a um final melancolicamente (e paradoxalmente) doce, fazendo a vida fluir como as águas dos rios. é uma experiência imperdível.

Revanche Selvagem (Sidney Pollack, 1968)

2/4

sidney pollack em início de carreira num western cômico simples, despretensioso e relativamente ordinário, que no fim até vale à pena em virtude de alguns lampejos de maior desenvoltura, pequenos momentos de comicidade e na composição de alguns (poucos) planos. a trama em si é bem fraquinha - na realidade tudo não passa de um verdadeiro mcguffin - e narrativamente tem um ritmo meio arrastado e uns bons pares de seqüências cansativas. burt lancaster mal aproveitado, mas não chegando a estar um lixo. esteticamente o filme é bem verde, sem muito estilo, e no fim a sessão é compensada somente por alguns momentos bacanas.

Noites Brancas (Luchino Visconti, 1957)

3/4

praticamente uma versão cinematográfica da música mais linda do mundo, I'm Waiting For the Day, do Beach Boys, com uma atmosfera que flerta com o conto de fadas para, posteriormente, rasgar tudo em questão de segundos, te arremessando novamente na frieza da realidade. poucas vezes o conceito de "poesia cinematográfica" teve oportunidade de ser tão bem aplicado.

Fahrenheit 451 (François Truffaut, 1966)

CRÍTICA
3/4

François Truffaut é reconhecido até hoje, por uma grande massa de especialistas e cinéfilos, como um dos maiores e mais transgressores gênios que despontaram dentro do universo cinematográfico ao longo do século passado. Poético, melancólico e nostálgico, seus trabalhos sempre receberam veneração e destaque, principalmente pela sensibilidade com a qual abordava certos traços e ânsias humanas e pelo grande apuro técnico que apresentava a cada nova produção – sendo que, juntamente com seus outros colegas de Nouvelle Vague, como Jean-Luc Godard, Alain Resnais e Claude Chabrol, desconstruia gradativamente o processo acadêmico de decupagem e de abordagens temáticas desenvolvido e estagnado em Hollywood ao longo das décadas anteriores.

Dentre seus trabalhos mais populares, este Fahrenheit 451 certamente é um daqueles que menos representa a estrutura do cinema do diretor, algo que, mesmo assim, não impede a obra de ser cultuada em diversos círculos de cinéfilos, que reconhecem seu primeiro projeto em língua inglesa como sendo uma das produções de ficção-científica mais importantes da história do cinema. Baseado no aclamado livro homônimo de Ray Bradbury, a atmosfera pessimista da obra nos remete a um futuro distópico, onde bombeiros não mais apagam incêndios, e sim, ateiam fogo naqueles que são considerados os principais causadores da infelicidade humana: os livros, independente de sua natureza – tanto romances e biografias, quanto obras filosóficas ou sociológicas serão devidamente queimadas, num ardor de 451º na escala fahrenheit.

É neste meio caótico que se encontra o protagonista da obra, Montag. Interpretado por Oskar Werner (que já havia sido dirigido por Truffaut no amargo Jules e Jim), Montag faz parte deste batalhão de homens designado a extinguir a cultura literária do dia-a-dia social – algo que, simbolicamente, representa também a repreensão intelectual por excelência, já que a leitura, apontada como sendo causadora da depressão sentimental, representa, na obra, não apenas a própria literatura, mas todas as artes que possibilitam o despertar intelectual, o desenvolvimento cultural, a liberdade de idéias. Ao conhecer uma professora desempregada, porém, o bombeiro acaba descobrindo também o prazer da leitura, entrando em um processo de dúvida quanto ao seu papel na sociedade e, principalmente, quanto à verdadeira necessidade da extinção de tais objetos.

Retratando uma civilização fria e imersa em um verossímil pessimismo, Truffaut desenvolve um estado social caótico que não foge muito à realidade da década de 1960, na qual fora produzida a obra, nem muito menos à nossa – mesmo que o mundo já esteja livre da predatoriedade ditatorial encontrada em diversas nações durante aquele período histórico, que apontava veementemente para uma realidade bastante semelhante à abordada na obra. É uma situação alarmante, pois, diariamente, desfrutamos da liberdade sem nunca precisarmos nos preocupar com quaisquer formas de repreensão neste viés – o que, porém, não transforma a ambientalização da obra em algo muito distante, caso conciliemos a repressão do processo de degustação intelectual humano, representada na obra pela literatura, com a vigente situação social, na qual tanto se afirmam regras estrambóticas quanto se perde cada vez mais o prazer pela busca intelectual.

Quarenta e um anos separam o lançamento de Fahrenheit 451 nos cinemas e o ano em que você lê este artigo. Quarenta e um anos e, enquanto escrevo este singelo texto, uma dúvida começa gradativamente a efervescer em minha mente: seria a realidade abordada na obra de Truffaut a resposta para a referida equação, com a qual encerrei o parágrafo anterior? Estariam a atual conceitualização política e a perda da essência intelectual (quando trato sobre intelectualismo, não me refiro à inteligência humana, mas sim à degustação da própria arte, produto intelectual de um autor que serve à apreciação intelectual de um receptor) constituindo a massa para a futura produção deste bolo fermentado pela ignorância? Se a filosofia de um século é a realidade de outro, o que herdarão as gerações futuras de uma sociedade que, a cada dia, se perde mais e mais em conceitos crassos e em uma constante subordinação à comodidade do conformismo?

A resposta pode muito bem estar neste filme, como, claro, também pode não estar. Independente disso, a atemporalidade das questões desenvolvidas a partir da narrativa de Truffaut, habitualmente questionadora e de cunho organicamente filosófico, é suficiente para que tracemos um equilibrado paralelo entre esta assumida distopia e uma pressuposição de sua futura concreticidade. E este forte despertar de questionamentos sociais, aliás, responde pela principal qualidade da obra, e corresponde ao título de grande expoente com o qual é agraciado dentro do universo genérico em que se assume - afinal, quiçá seja a própria atemporalidade uma das principais virtudes que podemos encontrar em uma ficção-científica (cujo melhor exemplo, intransferivelmente, é a obra-prima 2001: Uma Odisséia no Espaço, do genial Stanley Kubrick), pois obra alguma irá funcionar caso esteja datada, como é o caso da missa fúnebre 2010: O Ano em Que Faremos Contato.

Emoldurando este verdadeiro capítulo de questionamentos, estão a inteligência e a sofisticação visual e narrativa do cineasta francês – que, ver por outra, neste caso, respondem também pelos principais deméritos do filme. Logo no segundo inicial da obra, já pode ser constatado o primeiro toque de gênio: os créditos de abertura, diferentemente do habitual, são narrados, não escritos. Eles estão lá, mas não podemos lê-los – uma herança lógica da condição retratada na obra, que só poderia ser exteriorizada por um diretor assim, de verve lírica e criatividade poética. A exemplar e referida sensibilidade aguçada, naturalmente onipresente na filmografia do diretor, é sentida ao longo de toda a narrativa, na qual Truffaut compõe bonitos planos que, como de habitual, exalam os princípios estéticos da Nouvelle Vague a todo o momento.

Em Fahrenheit 451, Truffaut apresenta também a inclusão de uma característica até então inédita em seu cinema: o referencialismo a Hitchcock, do qual era fã confesso desde os tempos de crítico cinematográfico, na Cahiers du Cinéma (revista na qual escrevia ao lado de seus colegas de Nouvelle Vague, e que aparece em dado momento no filme sendo incinerada, em uma plano sublime). Fahrenheit 451 fora produzido em meio ao desenvolvimento de seu livro de entrevistas com o “mestre do suspense”, e essa imersão no cinema do “careca” fora visivelmente exposta na condução da obra – não apenas pela intensidade da trilha-sonora que pontua e embala as seqüências, composta pelo parceiro habitual de Hitch, Bernard Herrmann, mas também pelo estilo estético empregado a algumas cenas, ao modo de filmá-las e conduzi-las.

Esse apelo visual hitchcockiano, às vezes, pouco se encaixa ao estilo essencialmente dramático de Truffaut. Não apenas no que tange à mixagem entre ambos, como também à realização. Truffaut pode ser um mestre, um verdadeiro gênio, mas, quando tenta filmar seqüências de maior ação, situações de grande movimentação na tela, acaba desnudando seu calcanhar de Aquiles, não alcançando um nível de tensão suficiente ou que ao menos convença, à moda de Hitchcock. Ademais, a composição estética da realidade em que a obra se desenvolve, relativamente datada (fato que aflora um paradoxo com sua brilhante atemporalidade temática), acaba deixando a obra com um visual levemente antiquado, mesmo que, diante de suas verdadeiras qualidades, o fato não represente grandes danos ao produto final.

Em virtude da incursão em um gênero incomum em sua filmografia, bem como da existência destes pequenos defeitos técnicos e narrativos (ainda acredito que a obra não se satisfaz completamente a partir de sua metade, desenvolvendo de maneira menos empolgante o excepcional ato inicial, explorando pouco o forte drama existencial do protagonista – ainda que, mesmo assim, tudo resulte em um terceiro ato interessantíssimo), Fahrenheit 451 fica distante de ser o melhor trabalho da carreira de Truffaut – posto que, atualmente, cedo a A Noite Americana, poética e maravilhosa homenagem do diretor ao cinema. Ainda assim, não deixa de ser um ótimo trabalho: uma verdadeira ode à liberdade social e humana. Uma declaração de amor de um dos grandes cineastas de todos os tempos ao conjunto da arte, ao desfrute intelectual, que vale, principalmente, pela incrível atemporalidade temática. É filme feito para refletir.

Fitzcarraldo (Werner Herzog, 1982)

CRÍTICA
3,5/4

"Nós somos feitos do tecido de que são feitos os sonhos”

Começo este artigo sobre Fitzcarraldo citando um dos mais famosos pensamentos do dramaturgo inglês William Shakespeare, autor de inúmeros clássicos da literatura mundial. Mas, afinal, o que teria Shakespeare a ver com Werner Herzog, diretor da obra em questão? Nada e tudo, repartindo o mesmo embrulho de significância. O excêntrico cineasta alemão jamais utiliza qualquer pensamento shakespeariano ao longo desta grandiosa e megalômana produção (aliás, a sentença acima é referenciada na obra-prima inigualável O Demônio das Onze Horas, de Jean-Luc Godard, em meio a outras tantas referências artísticas e filosóficas que emolduram um dos maiores feitos da humanidade – e não apenas artisticamente falando), mas, parece que evoca e reflete a supracitada frase do finado pensador a cada segundo deste impressionante, poético e reflexivo épico sobre o combustível que move a existência humana: os sonhos.

Afinal, de nada mais trata Fitzcarraldo se não de sonhos, não importando a origem, a imensurabilidade, a significância, a plausibilidade ou nenhum outro fator externo que possa interferir, tanto para auxiliar quanto para dificultar sua realização. E é de sonhos que se constitui a essência de Brian Sweeney Fitzgerald, ou, como o próprio prefere se chamar, Fitzcarraldo (nome cuja origem se dá na linguagem nativa da região em que é ambientada a obra), protagonista deste filme. Irreverente, endiabrado e com constantes delírios de grandeza, Fitzcarraldo, após desistir da construção de uma linha férrea em meio à floresta, parte para um novo desafio: agora, quer, a todo o custo, construir o maior teatro de ópera que a selva amazônica já vira em todos os tempos, em um lugar completamente isolado do mundo, no meio da mata nativa. Para tanto, não mede esforços nem muito menos dimensões, tentando fazer do impossível seu mais fiel aliado e, ademais, o que é pior, o verdadeiro e único objetivo a ser alcançado.

Interpretado com maestria e muita, mas muita intensidade por Klaus Klinski (que já havia trabalhado com Herzog em outras produções, tais como a obra-prima do diretor, Aguirre, a Cólera dos Deuses, e o interessante Nosferatu – O Vampiro da Noite), Fitzcarraldo é a caricatura artística de certa parte obscura da personalidade humana: aquela que, acima de tudo, trabalha com a necessária alimentação dos sonhos e, principalmente, com a ânsia de realizá-los. Ao longo de toda a narrativa, vemos o protagonista xingar, chiar, bufar, berrar, mover montanhas (acho que, neste caso, literalmente mesmo) e qualquer outro elemento - natural ou não - que venha a obstruir seu “preestabelecido” destino, desenvolvendo uma efusiva obsessão com traços fortes e realistas de um fato que podemos constatar diariamente, a cada minuto de nossas vidas: não somos nada sem nossos sonhos, desde a vontade de ir até a cozinha pegar uma xícara de café até o desejo de ser o mais famoso cineasta de Hollywood.

No caso de Fitzcarraldo, o filme, desejo, sonho e realização se fundem em um delicioso processo de intersecção entre obra e criador. Ao mesmo passo que restava grandiloqüente a meta do protagonista, quando desenvolvido o argumento, apresentava-se praticamente irrealizável o processo de filmagem planejado por Herzog, irrevogavelmente um dos cineastas mais ambiciosos e doidivanos da história. A idéia, a princípio, é realmente ousada, caso seja analisada a situação com olhos frios e clínicos de um cirurgião, mas ainda concebível: emaranhar uma grande equipe de produção, junto de um bando de nativos, no coração da parte peruana da floresta amazônica, para registrar a odisséia de um homem em busca da realização de seu sonho impossível (o que, na verdade, conhecendo Herzog, não parece nada improvável, visto que, para uma de suas primeiras produções, Aguirre, já havia feito a mesma coisa, após furtar uma câmera da escola de cinema em que estudava, na Alemanha).

A maneira com a qual o cineasta se armara para realizá-la, porém, torna a concepção desta saga algo particularmente limítrofe, no que concerne à capacidade humana. À época da produção, Herzog, em um ato não muito surpreendente ao ser levado em conta seu protagonista, rasgara o contrato feito com os estúdios Fox para a produção do longa, devido a um conflito de ideologias referente a certa seqüência da obra: enquanto os executivos que financiariam a produção queriam que fosse reproduzida em estúdio cenográfico, o alemão ressaltava que deveria ser feita exclusivamente em locação real. Qual é a cena em questão? “Muito simples”, deve ter afirmado Herzog ao engravatado com a caneta em punhos: um bando de nativos, munidos com algumas cordas e roldanas, elevando até o topo de uma montanha um navio com cerca de cento e trinta metros de comprimento, cento e sessenta toneladas de madeira e ferro do mais resistente.

Ao largar a parceria com o estúdio e acertar com seu próprio irmão para tocar em frente a produção, Werner Herzog se dirigiu para o centro da floresta amazônica a fim de rodar a tão sonhada seqüência. E assim o fez. O resultado dessa empreitada praticamente inconcebível, no momento, o grande sonho do cineasta (e é aqui que se encontra o núcleo do processo de intersecção entre obra e realizador, referido parágrafos acima), pode ser vislumbrado em uma magnífica e impressionante seqüência, marcada por alguns percalços e muitos acertos, mas, acima de tudo, transpirando um ar que jamais seria inalável caso tivesse optado pela maneira mais fácil de se fazer. Podemos sentir o odor das folhas molhadas da selva úmida, o peso leve do ar puro e oxigenado pelas plantas inúmeras que rondam a ação. Transformamo-nos em mais um dos diversos homens presos ao sonho de Fitzcarraldo. E passamos a admirá-lo. Tanto a cria, quanto seu criador. É um momento sublime, impecável, que poderia ser transposto à tela apenas por alguém como Herzog.

Mas, não é somente neste espaço de tempo fílmico que brilha a estrela excêntrica de Herzog. Ao longo dos mais de cento e cinqüenta minutos de projeção, é impossível não entrar em estado de completa admiração com a impressionante perícia técnica apresentada, com a manipulação da natureza realizada pelo diretor. Às vezes, as imagens parecem denunciar uma relação de cumplicidade, uma parceria sobre-humana que entorna a câmera que capta a ação. Cada plano constitui um conjunto de imagens belíssimas, realizadas em tom praticamente documental, que apresentam ao mundo a vasta verdidão das folhas das árvores, a aglomeração cristalina das águas dos rios, o respirar pesado dos animais da selva – tudo isso, ainda, embalado por uma trilha sonora belíssima, com óperas européias que rompem os sons da natureza de forma admirável. É como se estivéssemos vendo uma inusitada mistura de filme delinqüente, existencialismo humano, drama de personagem, retrato histórico e documentário do Discovery Channel.

A mistura, embora completamente inusitada, define bem a indefinição genérica desta obra de arte. Tudo é muito grandioso para que fiquemos presos a conceitos predefinidos. Werner Herzog, em seu projeto mais ambicioso e pretensioso, realiza um trabalho de exatidão, um exímio reflexo e, porque não, estudo da importância dos sonhos na vida de todos nós. Contando ainda com um elenco de qualidade, do qual fazem parte a bela Claudia Cardinale (Era Uma Vez no Oeste) e um vasto grupo de figurantes sul-americanos (alguns, inclusive, brasileiros), Fitzcarraldo comprova sua narrativa poética tanto pelas imagens filmadas com maestria operística quanto pela belíssima mensagem que nos deixa após um final de impressionante sensibilidade, no qual a simplicidade de um único momento contrasta com a megalomania que rege todo o desenrolar da aventura, mostrando que a conquista de um sonho pode ocorrer da forma mais singela e natural possível: pela necessidade de um sorriso.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Uma Aventura na África (John Huston, 1951)

3/4

a primeira seqüência de Uma Aventura na África é, provavelmente, uma das duas mais sensacionais já filmadas por Huston, pegando uma ação absolutamente banal em qualquer obra cinematográfica da época e, a partir dela, desenvolvendo uma relação mais rica do que a de muitos filminhos engajados por aí. o filme que vem a seguir não consegue alcançar o mesmo grau de genialidade, mas ainda assim, mesmo com alguns lapsos na agilidade da narrativa, é uma ótima aventura romântica cheia de bons momentos, uma fotografia e-s-p-e-t-a-c-u-l-a-r e um final surpreendente e muito divertido.

O Labirinto do Fauno (Guillermo Del Toro, 2006)

2/4

uma espécie de The Sound of Music meets Harry Potter sem muita substância, com uma primeira hora beirando o insuportável, mas melhorando consideravelmente quando ensaia um desenvolvimento mais claro do substrato político em que são submergidas as personagens, infelizmente (e naturalmente) rompido momentos depois, quando retorna ao desinteressante conceito da trama principal. mesmo assim, é muito bem realizado quanto aos aspectos técnicos, requintado com uma violência gráfica bastante degustável e que rende alguns momentos empolgantes, com certeza. ainda que tenha seu charme em virtude de algumas passagens, é um filme bastante simplório.

A Moça Com A Valise (Valerio Zurlini, 1961)

2,5/4

uma estória melancólica de um amor fadado ao fracasso entre um jovem de 16 anos e uma mulher muito mais velha (Claudia Cardinale, linda como sempre), que na realidade nada mais é do que uma parábola seca e amarga sobre desorientação, com duas personagens que ainda não encontraram um fio condutor na vida. embora seja perspicaz na construção do clima fúnebre e muito sofisticado na fotografia e na delicadeza dos planos, Zurlini entrega um filme monótono em boa parte do seu tempo, procurando, às vezes, alcançar um tom mais denso sem sair das amarras narrativas clássicas em que se estabelece. é um filme que grita por transgressão, não estética, temática mesmo, por um diretor um pouco mais ousado e sem medo de rasgar conceitos. mas é bom mesmo assim.

Pequena Miss Sunshine (um casalsinho qualquer, 2006)

0,5/4

em certo momento de Pequena Miss Sunshine, o personagem de Steve Carrel corre em direção a uma porta automática, que demora consideravelmente a abrir. levando em conta o que eu havia visto até o momento, jurava que aquela droga de porta permaneceria fechada e que o imbecil acertaria com a cara bem no meio do vidro. porque, afinal, os personagens de pequena miss sunshine são qualquer coisa, menos humanos. as pessoas erram? erram. equivocam-se? sim, a todo o momento. agora, não venham tentar fundamentar uma merda de discurso nada sutil de apologia à mediocridade construindo uma estória sobre uma família de fodidos sem dimensionalidade alguma, porque aí já é abuso psicológico. cinema é arte, é diversão, mas não é entretenimento para ovelhas.

um urra aos realizadores de Pequena Miss Sunshine! hip, hip, urra!

Pistoleiros do Entardecer (Sam Peckinpah, 1961)

CRÍTICA
3,5/4

Pistoleiros do Entardecer (Ride in the High Country, 1962) pode não ser o mais reconhecido, poético, violento ou preciosista faroeste da brilhante carreira do norte-americano Sam Peckinpah, autor de algumas das mais impressionantes obras do período de reformulação do cinema hollywoodiano no final dos anos 60. Pode não ser seu momento mais marcante, nem muito menos o mais complexo narrativamente, restando para alguns como um simples projeto no qual esboçara temas e características a serem desenvolvidas subseqüentemente. Pode até ser encaixado nisso tudo, não nego, não ouso, mas de uma coisa podem ter certeza. É, provavelmente, um dos mais fundamentais pontos de transgressão da curta história de um dos gêneros mais deliciosos do cinema.

Desde a seqüência de abertura, uma espécie de registro da decadência de dois dos maiores ícones do faroeste norte-americano em décadas anteriores, Randolph Scott e Joel McCrea, ambos em atuações monstruosas que certamente merecem título na posterioridade, a mais singela e outonal obra de Peckinpah fotografa os penúltimos suspiros e o rompimento incandescente do manto místico que acobertava o universo do “velho-oeste”, desenvolvendo estas características sob a condição de uma dupla de cawboys aposentados que retomam por um momento seu antigo ofício não apenas para resgatarem valores perdidos com o fim de sua profissão, mas para encontrarem uma forma de sobrevivência dentro de um meio no qual não conseguem se inserir: a civilização moderna, que enterra por definitivo seus antigos conceitos.
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Outros diretores viriam a retratar o tema posteriormente, incluindo o mestre italiano Sergio Leone, em sua obra-máxima, Era Uma Vez no Oeste, mas o título de precursor neste aspecto é exclusivo de Peckinpah. Em todo o seu desenvolvimento, Pistoleiros do Entardecer nos transmite a amarga sensação de estarmos vendo um conto fúnebre sobre o gênero, fato que transforma a lenta e intrusiva jornada em um incrível paradoxo multifacetário devido aos seus constantes momentos de humor, que não raramente fazem questão de ruir com a dimensão em que se estabelecem, propulsionando uma relação de ironia impagável, como na seqüência da celebração de um casamento dentro de um cabaré, no qual prostitutas são transformadas em damas de honra e bêbados congraçam o matrimônio – numa deliciosa e ousada subversão de conceitos.

Devido a estes fatores extraordinários, destituídos da habitual contemplação ao gênero e perfumados com pequenas doses de lirismo e corrosão, Pistoleiros do Entardecer se transforma em uma obra absolutamente fora do comum, até mesmo em um marco cinematográfico – obscurecido pelas sombras da história. Peckinpah lança um olhar extremamente perspicaz sobre a construção mitológica do gênero, desenvolvendo o quadro de personagens sem preestabelecer definições de conduta (assim como no genial A Marca da Maldade, de Orson Welles) e condensando toda sua simbologia em um dos diálogos mais microcósmicos da história, quando a principal personagem feminina do filme volta-se ao seu par romântico e questiona: “Meu pai diz que há o certo e o errado, o bem e o mal. Que não há nada no meio. Mas não é tão simples assim, é?”.

E é no embalo desta dúvida que o diretor, popularmente conhecido como o “Poeta da Violência”, constrói sua mais singela e marcante obra, e que vejo, particularmente, como seu melhor filme – e um dos melhores da história do gênero. Flertando ainda com temas que seriam explorados com maior ênfase em seus trabalhos seguintes (como a fé, discutida em uma antológica cena de jantar), Pistoleiros do Entardecer se estabelece de forma diferente a todos os outros projetos do diretor, sem as ruidosas câmeras lentas ou seqüências explosivas e sangrentas (com exceção de um único momento, pouco destacado), mas dando o pontapé inicial ao cerrar da portinha dupla que funcionava como portal para o mundo árido das pistolas empoeiradas. Peckinpah seria um filho da puta de primeira por causa disso, não fosse o fato de ter realizado uma obra-prima.

O Hospedeiro (Joon-Ho Bong, 2006)

3/4

muito curioso ver pessoas dizendo que alguns subgêneros ou temas estão saturados no cinema, ao mesmo passo que surgem filmes como O Hospedeiro por aí. uma mistura impagável e indescritível de diferentes elementos (alguns deles paradoxais, inclusive), desenvolvendo uma trama que se renova com facilidade e ainda consegue, mesmo sem ser muito original, surpreender com freqüência. o bom humor que permeia toda a obra, bem como a excelente fotografia e as mais diversas formas encontradas por joon-ho para inserir suas alfinetadas e sarcásticas críticas sociais e geopolíticas são apenas a cereja do bolo. mas o recheio é muito mais gostoso - e divertido.

Todos os Homens do Presidente (Alan J. Pakula, 1976)

3/4

nem mesmo a conclusão preguiçosa ofusca o brilho dessa extasiante aventura investigativa baseada no popular caso de Watergate. a direção de Pakula segue a cartilha básica da cinematografia dos anos 70, sem ousar nem desusar, mas as belas atuações e o roteiro esperto e muito bem condensado garantem a qualidade em níveis estratosféricos. esse é daqueles filmes essenciais para quem procura compreender um pouco a respeito do que realmente é o jornalismo, ainda na época em que sua sobrevivência restava independente das necessidades políticas.

As Pontes de Madison (Clint Eastwood, 1995)

3,5/4

se arrependimento fosse doença, a personagem de Meryl Streep em As Pontes de Madison desenvolveria um câncer tão grande que nem mesmo o mais estudado doutor saberia estimar as causas. mas a vida é assim mesmo, um grande e interminável jogo recheado de equívocos, que muitas vezes são justificados pelas raízes que fixamos ao medo da mudança, à fobia inexplicável de alcançar a felicidade, embora saibamos que é possível. porque, em grande parte dos momentos, o que queremos mesmo é viver sufocados por nosso grito de desespero, já que a liberdade, quando conquistada, pode acabar se tornando, na realidade, uma prisão.

As Pontes de Madison, além de ser uma bela estória sobre o amor e a estabilidade, o afeto e o arrependimento e suas conseqüências, é o grande filme da carreira de Eastwood - que, não fosse o fato de ter apostado em uma estrutura tão banal, realizaria uma obra-prima.