quarta-feira, 30 de abril de 2008

TOP 10 - FILM NOIR

Meu atual TOP 10 do gênero mais gostoso do cinema.
01. No Silêncio da Noite (In a Lonely Place; Nicholas Ray, 1950)
02. A Morte Num Beijo (Kiss Me Deadly; Robert Aldrich, 1956)
03. Império do Crime (The Big Combo; Joseph H. Lewis, 1955)
04. A Marca da Maldade (Touch of Evil; Orson Welles, 1958)
05. Almas Perversas (Scarlet Street; Fritz Lang, 1945)
06. À Beira do Abismo (The Big Sleep; Howard Hawks, 1946)
07. Curva do Destino (Detour; Edgar G. Ulmer, 1945)
08. Pacto de Sangue (Double Indemnity; Billy Wilder, 1944)
09. Fuga do Passado (Out of the Past; Jacques Tourneur, 1947)
10. O Mensageiro do Diabo (The Night of the Hunter; Charles Laughton, 1955)

Império do Crime (Joseph H. Lewis, 1955)

O menos romântico dos noirs. Império do Crime pode ser encaixado tranqüilamente na interminável lista de obras-primas do maior gênero do cinema, mas talvez seja o filme que mais divirja do classicismo típico do submundo de corrupção moral que substancia o universo do filme de crime norte-americano. Ritmo lento, direção carregadíssima, narrativa cíclica e sem quaisquer momentos de clímax – com exceção do final, que nem mesmo se esforça para ganhar notoriedade em meio ao conjunto de ações que estruturam a trama. Todos elementos desprezados pela cartilha de características básicas do noir, e que dão o tom surpreendentemente atípico deste filme de Joseph H. Lewis.

Mas, se The Big Combo, teoricamente, pode ser considerado um anti-noir, na prática se revela um dos momentos mais brilhantes de todo o movimento. É um filme genial. Intrincado, sem qualquer esforço de fluidez entre as seqüências, recheado de personagens fechados em seus próprios interesses e estruturado sobre uma subversiva e inteligentíssima troca de identidades: se o protagonista, a principio, é o policial obcecado por desmascarar o atual homem mais poderoso do império criminoso de uma metrópole, no fim o verdadeiro cerne de toda a estória acaba transportado justamente para o vilão, interpretado com uma frieza impressionante por Richard Conte.

O filme pode ter sua temática rasgada em duas metades: é um grande estudo sobre o poder, personificado no personagem de Conte [‘first is first, second is nobody’, é o seu bordão], mas também uma intersecção entre a inveja e o amor como formas de justificar a dedicação obsessiva do policial ao seu trabalho – num caso que custou à corporação mais de 18 mil dólares e não trouxe sequer um indício de possíveis resultados, somente a aproximação dele de seu objeto de desejo. E é no balanço entre as duas faces da moeda, policial e gângster, que gira todo o universo de The Big Combo. Uma disputa de personalidades conduzida com um distanciamento intrigante, e que gera alguns dos mais preciosos momentos do cinema noir.

Aliás, é impressionante como o filme consegue se manter na defensiva durante o tempo todo e, mesmo assim, ser palco de pelo menos umas dez seqüências marcantes, daquelas para serem lembradas sempre, enquanto o cinema ainda estiver em atividade. Desde a tortura aplicada pelo big boss ao policial, em uma das primeiras seqüências de confronto físico entre ambos, até o momento em que o canalha apronta-se para assassinar seu ex-colega – e atual algoz – e decide dar a ele a chance de “não ouvir os disparos”, Império do Crime é arquitetado com genialidade plano sobre plano - mesmo que Lewis continue mantendo a unidade impecável que o transforma em um dos grandes exemplos de cadência rítmica do cinema.

E o mais curioso, ainda por cima, é que o diretor tem a audácia de transformar seu filme em um produto de anti-diversão, bem diferente dos noirs do mesmo período, que normalmente apresentavam tramas policiais pensadas com o único propósito de mexer com as emoções – e os nervos – de quem tanto curtia o gênero. É um trabalho mal resolvido, sem grandes surpresas, lento, exaustivo, pesado e tão obscuro quanto os cenários embebidos por uma negritude indescritível pelos quais passeiam os personagens, mas que ainda assim – ou justamente por isso – funciona melhor do que quase todos os filmes do estilo. É uma experiência atípica, desgastante, porém muito intrigante.

Intrigante, por sinal, é também o fato de eu nem ter comentado o que provavelmente seja o maior triunfo de Império do Crime. É covardia comparar qualquer outro trabalho de fotografia já realizado no cinema com essa overdose de escuridão capturada pelas lentes vampirescas de John Alton. Mais um pouco, e o filme seria apenas uma imagem escura projetada na tela tendo sua estaticidade rompida por diálogos fantasmagóricos surgidos hora ou outra. Não se pode dizer nem mesmo que existe o tão famoso contraste acentuado dos noirs, é preto-no-preto e os atores atirados no meio da penumbra em pelo menos 70% das cenas. Nos outros 30%, por sua vez, parece mais que a celulóide tragou uns dois maços de cigarro do mais vagabundo e baforou em direção aos seus olhos.

Contando ainda com um desfecho cenograficamente inspirado na clássica seqüência final de Casablanca, esta pequena e atípica aventura sobre o sindicato do crime norte-americano merece lugar de destaque entre as grandes obras do cinema de Hollywood. É bem diferente de tudo o que foi feito até então, apesar de levemente inspirado no clássico Os Corruptos, de Fritz Lang - principalmente na busca pelo maior realismo na abordagem da corporação policial, inventividade do alemão. Mas The Big Combo é muito mais audacioso e esquisito do que qualquer outro filme noir, tratando de um gênero plenamente comercial da forma mais anticomercial possível. E talvez por isso mesmo seja tão obra-prima.

terça-feira, 29 de abril de 2008

Quanto Mais Quente Melhor (Billy Wilder, 1959)

Revi Some Like It Hot hoje, em um momento de ócio acadêmico – novidade – dentro do busão, esperando chegar a hora de voltar pra casa - tivemos a manhã inteira livre, já que choveu e o dia era específico para filmarmos as externas – uma cena de atropelamento – do nosso pequeno curta-metragem. A sorte é que eu tinha o filme comigo, na bolsa da minha namorada, pois iria emprestá-lo ao meu amigo caralhíssimo, Luis.

E como é bom rever um Wilder inspirado como esse. Talvez aqui esteja uma das grandes provas do por que de o Wilder possuir até hoje aquele estigma maldito de diretor-de-roteiros, que não era exigente com o visual e etc – uma bobagem desmedida, como já disse alguns meses atrás tratando sobre Farrapo Humano, outro Wilder excepcional. Um texto enxuto, preciso, classudo, ágil, sarcástico, cheio de analogias engraçadíssimas, tiradas e trocadilhos bem ao estilo dele e tudo mais. A sofisticação de Quanto Mais Quente Melhor só pode ser medida através da escala Richter. É uma coisa inenarrável.

E mesmo que saibamos de cor cada uma das piadas – não simplesmente por eu ter visto pelo menos umas cinco vezes, mas porque foram repetidas demais por todo o mundo nos anos seguintes – não tem como não gargalhar feito uma criança, ou pelo menos esboçar uma reação de encantamento com a delícia que é esse filme. E também não dá pra deixar de citar aquele canalha do Tony Curtis, fácil fácil um dos atores mais geniais que já pisaram em solo hollywoodiano.

Aliás, não saberia estimar uma única atuação preferida do cara. Escolheria pelo menos três. Essa, que na realidade é a menos exigente, mas a mais deliciosa de se acompanhar, pela troca de sexo de seqüência em seqüência e as bobagens que sucedem disso, certamente é uma delas. As outras duas acho que seriam as de O Homem Que Odiava as Mulheres – um filme muuuuito pretensioso, que poderia ter dado certo caso não contivesse aquela tentativa de inovação completamente datada do Fleischer na montagem -, no qual só aparece no terceiro ato – é o assassino – mas rouba pra si todos os holofotes, e A Embriaguez do Sucesso, obra-prima de Alexander Mackendrick , no qual trava um duelo perigosíssimo com Burt Lancaster pra ver quem é a grande figura do filme.

E nem é de Curtis que Wilder depende, simplesmente, em Quanto Mais Quente Melhor. Ainda tem aquele fodão do Jack Lemmon, absolutamente genial com suas caras e bocas absurdas, e Marilyn Monroe, que sempre dispensará comentários. E isso que eu nem citei o diálogo final, tipicamente wilderiano - em especial a última frase, uma das mais inesquecíveis do cinema. Coisa de mestre mesmo.

segunda-feira, 28 de abril de 2008

Trágica Obsessão (Brian De Palma, 1976)

Brian De Palma é um cineasta de excessos. Quem considera o cinema uma arte de entrelinhas, de sugestividade sobreposta ao escancaro, certamente se transformará de imediato em um detrator de seu estilo, coisa que, por sinal, realmente ocorre – e com grande freqüência. E é até compreensível que filmes como Trágica Obsessão, uma das grandes obras-primas da carreira do maior mestre do cinema contemporâneo, permaneça até hoje na penumbra da memória cinematográfica. Aliás, o curioso de tudo isso é que De Palma, assumidamente, promove com o seu cinema uma espécie de ‘releitura’ do próprio cinema, em especial daquele que é tido como o grande influenciador do diretor e reconhecido como o ‘mestre do suspense’, Alfred Hitchcock, cujo discurso cinematográfico apontava justamente para o caminho contrário ao que trilha: a sugestão. Para Hitchcock, o clima de mistério é o que vale. Para De Palma, não.

Trágica Obsessão, substancialmente, pode ser considerado uma releitura daquela que provavelmente seja a grande obra-prima – junto de Janela Indiscreta, meu preferido – do cinema de Hitchcock, uma estória de amor construída em dois atos distintos e mergulhada em um tom inenarrável de remorso e obsessão – no filme do ‘gordinho’, o personagem de Stewart se recupera do choque que é ver a mulher que ama se suicidar, quando encontra outra que se parece com ela e tenta reviver o romance. O filme em questão é Um Corpo Que Cai, clássico do suspense e que praticamente resume a plotline de Obsession, que com algumas variações retorna ao tema romântico-obsessivo ao apresentar o retorno de um empresário, que, depois de mais de 20 anos, ainda se culpa pela morte da mulher, ao local onde se conheceram, e descobre que por lá encontra-se uma mulher de aparência física incrivelmente semelhante com a de sua falecida esposa.

A diferença entre o cinema de Hitchcock e o cinema de De Palma, portanto, fazem com que Trágica Obsessão eleve o espírito e a pretensão de Hitchcock à enésima potência, num surpreendente surto narrativo que explora com um preciosismo único as variações dramatúrgicas do roteiro original, explorando de forma ainda mais perturbadora as condições emocionais e psicológicas das peças que montam o quebra-cabeça denso e instigante desta dramática trama de obsessão. E é engraçado como, mesmo sendo uma ‘releitura’, Trágica Obsessão termina por ser um filme completamente diferente de Vertigo. De Palma enrola e desenrola cada elemento do filme, inverte as posições dentro da estrutura do roteiro, mexe aqui, ali, entorta lá, e o resultado é simplesmente orgástico, surtante. Os primeiros vinte minutos, sem quaisquer cerimônias, vêm como um baque, um choque em quem aguarda o clímax inicial para lá pelos cinqüenta minutos de filme rodado.

A partir daí, De Palma revela um novo filme. Muito distante do começo eletrizante, tenso. Muito menos tenso, mas ainda mais sufocante, transformando seu suspense em um filme sobre a culpa, o remorso, sobre a torturante sobrevida que o protagonista, preso a um erro do passado, desenvolve a partir do momento em que precisa conviver diariamente com o fato de ter tido a vida das pessoas que mais ama em suas mãos – e jogado-as fora. É um filme sobre a segunda chance; a chance que temos de reverter nossos erros, converter nossos pecados. E poucos trabalhos depalmianos foram tão particulares sob o ponto de vista emocional, dramático – talvez apenas O Pagamento Final se assemelhe em dor e substância a Trágica Obsessão, que, aliás, tem em seu final alguns elementos bem notáveis daquilo que viria a ser desenvolvido mais tarde por De Palma nesta obra-prima do drama policial. É um trabalho bastante profundo, muito distante da artificialidade que normalmente atribuem ao cinema do diretor.

E nada contribuiria mais para esta construção climática do que aquela trilha-sonora arrepiante, inquietante e estupradora de Bernard Herrmann – colaborador de confiança de Hitchcock, aliás. Talvez só a fotografia em tons fantasmagóricos de Vilmos Zsigmond, constantemente em conflito com luzes de velas, feixes de luz em janelas e ambientes em tons outonais, esmaecidos, que deixam uma sensação onírica imprescindível para o tom de romantismo macabro que a estória de amor/obsessão por um passado inemutável requer.

Mas é no terço final que De Palma finalmente comprova o porquê de eu ter chamado-o de cineasta de excessos, brincando feito uma criança autista com sua própria criação ao filmar um desfecho absolutamente insano, doentio, retardado e etc para uma estória tão bonita e profunda. E o pior de tudo é que só assim Obsession seria a obra-prima perfeita e sincera que é. Porque o cinema, acima de tudo, é baseado no poder de manipulação da imagem. E ninguém precisa avisar que este é exatamente o brinquedo preferido de De Palma.

Simplesmente descaralhal, emocionante, sufocante, bizarro, esquizofrênico, genial, um passo à frente do restante da humanidade. O filme mais subestimado do mundo.

domingo, 27 de abril de 2008

Rapidinhas

Ensina-Me a Viver (Harold and Maude; Hal Ashby, 1971)

Hal Ashby consegue balancear inteligentemente as duas características que sentenciam o tom atípico de Harold and Maude, fazendo uma miscelânea entre a melancolia de um Truffaut e a celebração da vida de um Capra. Uma pena, portanto, que o filme carregue incrustado em cada frame uma ideologia pouco favorável ao conjunto, apesar de bem condizente com a proposta do cinema de Ashby, de escolher pequenas peças desreguladas da engrenagem social e brincar em cima de suas condições – não necessariamente querendo se divertir através delas. O filme acaba soando um pequeno e bobo conto moralista, e o engraçado é que Ashby, assim como em Muito Além do Jardim, concentra grande parte de seu esforço justamente na busca das melhores formas para escapar do julgamento fabulístico, algo que neste caso, diferente do outro, acaba sendo em vão. Mas Ensina-me a Viver – tradução medíocre que pode servir de anteaviso - tem seus momentos de brilho, como na primeira cena, quando Harold apronta meticulosamente sua encenação de suicídio, e um ou outro esquete que parta para o mesmo sentido. Ruth Gordon, assim como em O Bebê de Rosemary, está fantástica, infelizmente tendo que permanecer atada à unidimensionalidade da personagem e sua pequena e previsível função. Pode ter funcionado muito bem à época do lançamento, em meio ao fervor da contracultura, mas não envelheceu bem. Ainda que não seja um mau filme.

Aliás, curioso o fato de uma das mulheres que atravessam por um momento o destino do protagonista se chamar Sunshine. Diz muito sobre o filme.

Planeta Terror (Planet Terror; Robert Rodriguez, 2007)

Robert Rodriguez finalmente com consciência do que pode oferecer ao cinema, coisa que não acontecia desde Um Drink no Inferno. E faz um filme delirante, divertido no mais sincero teor da palavra. Desde o início surtado com ponta impagável de Bruce Willis – não tem como não rir do suspense todo que o Rodriguez cria quando o personagem surge e ele construindo um momento praticamente épico à espera da primeira fala, que é uma verdadeira escrotice tanto na forma quanto no tom – até as participações do melhor churrasqueiro do Texas, ou a seqüência extra-tosca com a mulher com a metralhadora no lugar da perna atirando para o chão e saltando sobre um muro, ou então a participação completamente zoada e bizarra do Tarantino e suas bolas em decomposição, o filme é um surto só de manipulação cinematográfica e um exemplo brilhante de como é possível brincar com os próprios clichês – cena do médico prestes a matar a enfermeira, cena do médico prestes a matar a enfermeira – e não transformar o filme em uma sessão de automasturbação. Aliás, o melhor de tudo, além da ambientação perfeita dentro daquela proposta de homenagem aos filmes b, com miolos e vísceras e membros rasgando e explodindo, roteiro salame, personagens mal construídos, problemas técnicos, falhas de projeção, rolos faltando, problemas com o som e etc, é o desenvolvimento de um universo próprio, todo exagerado, artificial, canastríssimo, em que tudo é possível em termos de trama e cinema. Porque Planeta Terror, no fim, é um exemplo perfeito de realizador em completa sincronia com a proposta – viu, seu Ashby? Genial.

sábado, 26 de abril de 2008

Anjo ou Demônio? (Otto Preminger, 1946)

Um filme menor do noir, mas ainda assim muito bom - mesmo que este seja o grau de qualidade mínimo que algo do estilo pode alcançar, pelo menos quando tem um grande diretor por detrás das câmeras. O Preminger consegue desenvolver toda a ambientalização de forma impecável nos primeiros 25 minutos, concentrando o foco na fundamentação das relações inescrupulosas entre os dois personagens centrais e o mundo que os cerca. Isso sem contar no charme inegável que é atribuído aos poucos e repetidos cenários em que transcorre a estória, principalmente o bar, à beira da praia, com um ar soturno, mas ao mesmo tempo romântico – no sentido de evocar o mais puro dos clichês de gênero, o que de forma alguma tem sentido pejorativo.

O mesmo charme, porém, acaba não imperando ininterruptamente no decorrer do filme, que em alguns momentos fica nitidamente monótono, mesmo que estes momentos sejam importantes – mas prolongados em excesso – pra chegar aonde o Preminger finalmente pretendia chegar, no final das contas. E é interessante como, nos quinze minutos finais, ele consegue redirecionar o pressuposto motivo de toda a trama para pelo menos três caminhos diferentes, renovando o filme a cada seqüência, jogando a culpa toda, a princípio, em uma estória de fracasso, mas depois retransformando tudo isso em um conto sustentado por um dos principais temas do noir: a obsessão – e fica clara a influência de filmes como Laura, do próprio Preminger, e Almas Perversas, do Fritz Lang, feitos no ano anterior – mesmo que Laura eu ainda não tenha terminado de ver, por problemas técnicos, mas deu pra notar fácil fácil que o jogo do estúdio foi repetir a dose.

Mas é inegável que Anjo ou Demônio? tenha pelo menos uns dois pares de seqüências sensacionais – a primeira é uma delas, resumindo em prática toda a personalidade do protagonista e dando um tom preciso daquilo que seria desenvolvido mais tarde -, além de um trabalho de câmera e fotografia excepcionais. A direção do Preminger, mesmo insuficiente pra garantir sustentabilidade estável ao filme, impressiona em diversos momentos, mais pelo visual mesmo, com um jogo de câmera inteligentíssimo e muita perspicácia em utilizar as sombras e os macetes estéticos próprios do estilo. E, se o filme termina sem aquele gostinho de obra-prima, ao menos garante uma hora e meia de pura diversão do mais sincero apego às bases do cinema noir. E como vale a pena.

El Dorado (Howard Hawks, 1966)

Aproximadamente cinco anos separam o dia de hoje da primeira vez em que vi El Dorado, num VHS surrado, com chiado, cores esmaecidas e tudo aquilo que transforma o filme em fita em uma experiência inusitada – e divertida – como nenhuma outra. Aliás, pouco recordava do enredo em si, tanto é que nem guardava na memória o fato de que se tratava, superficialmente, de uma releitura completa[mente diferente] de uma das maiores obras-primas do western, o microcosmo do estilo hawskiano por excelência, Onde Começa o Inferno – o que inclusive gerou uma pequena surpresa depois daquele prólogo maldito de quase uma hora de duração.

Mas vamos por partes. Não pretendo me exceder, aprofundar visão ou nada parecido, principalmente por estar começando a escrever este texto em um horário pouco favorável – dez pra meia-noite neste exato momento, sendo que tenho de acordar às 5h20min. Por isso, antes de qualquer coisa, já deixo claro que meu objetivo é ser o mais direto possível, ou seja, procurarei ser curto e grosso, simplesmente, sem fazer rodeios pra tentar esconder qualquer elemento irrevelável do filme – principalmente por ser meio complicado analisar superficialmente um trabalho tão complexo e ainda não utilizar do próprio filme pra fundamentar o discurso.

El Dorado é um dos últimos filmes do maior gênio do cinema norte-americano, Howard Hawks, feito depois de ele ter finalmente compreendido a queda da ideologia pragmática e situada em um universo retrógrado e apolítico que procurava utilizar como regência da grande maioria de seus filmes – principalmente daqueles em que seu código de honra e ética pessoal, transportado quase sempre para o velho oeste, era posto em prova ou simplesmente evocado de certa forma. E é justamente por isso que o filme todo é permeado por uma atmosfera de auto-sátira, auto-homenagem, auto-releitura. Não apenas ao seu próprio universo, mas ao cinema clássico, de uma forma geral.

Alguns especialistas consideram Hatari! como o divisor de águas entre o Hawks clássico e o Hawks moderno. Não discordo. A aventura africana protagonizada pelo seu talismã John Wayne talvez seja o filme em que o diretor mais se desloca, ou realmente de desprende, por definitivo, da sociedade em que vivia. É um filme de universo próprio, fechado em sua teoria de conduta particular, construído exclusivamente para que Hawks desfilasse boa parte de suas principais temáticas e interligando-as em um mesmo ponto de convergência – aliás, Hatari! é outro dos filmes que preciso rever com urgência, já que fazem uns quatro anos que assisti.

O El Dorado, portanto, faz parte da segunda fase, já que foi feito depois (né). E também não discorda. A primeira hora do filme, que talvez seja o que o prólogo mais extenso de toda a história do cinema que eu conheço até o momento, nada mais é do que uma pequena homenagem de Hawks a um gênero que, como ele mesmo já previa anteriormente, junto de Peckinpah (vide Pistoleiros do Entardecer) e alguns outros realizadores, estava terminando de cavar sua própria cova – que levaria junto consigo outras grandes figuras da primeira metade do século XX, como o cinema insinuante de Billy Wilder e os musicais embebidos de alegria da velha Hollywood.

A pequena viagem do personagem de John Wayne, um pistoleiro de encomenda, evoca, separadamente, filmes como Por um Punhado de Dólares, de Sergio Leone – o homem que surge em meio a uma guerra entre duas famílias, mas que, diferentemente do filme do italiano, não se apega a ela antes de encontrar uma necessidade particular -; Parceiros de Morte, de Sam Peckinpah, em especial pelo senso de justiça e de ética que fazem com que o remorso sobreviva como conseqüência da tragédia mesmo em meio a um mundo regido invariavelmente pela frieza individualista – personificada na figura do pai e sua reação à morte do filho; e O Homem Que Matou o Facínora, de John Ford, que tem por base o estudo do mito, explorado na magnífica seqüência do bar; entre outros.

Aliás, o curioso é que Hawks, em El Dorado, joga com o clássico de maneira bastante inusitada, de certa forma até mesmo transgressora, estruturando a primeira parte do filme em elipses carregadas de inexatidão e sem previsão de rumo, em um processo de quase improviso. E pelo menos dois elementos, desta feita não narrativos, mas visuais, demonstram a vigência da modernidade que em breve seria ainda mais explorada em um de seus mais maltratados – pela crítica - e surtados filmes, Rio Lobo: um zoom no rosto do personagem de Wayne, em momento determinante, e um corte descontínuo entre um e outro plano de uma mesma ação, escancarando na tela o processo de montagem do filme – coisa que na época já havia se tornado comum, depois de ser explorado à exaustão pelo seu próprio criador, Jean-Luc Godard, mas que eram incomuns para o cinema classicista do diretor.

Mas é na segunda metade de El Dorado que Hawks finalmente apresenta sua carta-escondida-na-manga, determinando a propulsão de um filme já espetacular ao mais sincero patamar de obra-prima. É o inicio da ‘trama’ principal, quando John Wayne retorna a El Dorado, à briga entre famílias, para auxiliar seu amigo, interpretado com a habitual intensidade de um dos maiores atores de todos os tempos, Robert Mitchum, atualmente xerife desiludido por uma mulher e cada vez mais afogado no alcoolismo – uma das primeiras brincadeiras de Hawks com seu próprio Rio Bravo, construído acerca de um extremo oposto, onde o xerife era auxiliado por um alcoólatra na mesma condição. É a decadência do velho oeste sob forma de uma cidade sem lei, mas o mais interessante é que o principal foco continua sendo Wayne e a desconstrução do mito. Porque John Wayne, no caso, é o velho oeste, e sua condição é determinante para o tom de mortalidade que impregna em cada frame de El Dorado.

E a genialidade de Hawks chega a um nível tão forte, tão ousado, tão imortal, que fica impossível não se impressionar com a versatilidade inquestionável com a qual ele trata do material, que nada mais é do que uma releitura-refilmagem-ueréver de seu principal faroeste – e quando se diz releitura é releitura mesmo, é o próprio Rio Bravo, em seu esqueleto, transposto para a tela, em alguns casos com seqüências idênticas, mas que terminam por ser o extremo oposto das originais em virtude da alternância de um simples elemento. É o mesmo filme, só que em um tom assustadoramente diferente, através do qual Hawks comprova que, com a troca de uma pequena coisinha da cena, pode-se alcançar um resultado final inimaginável, surpreendente – pequenas escolhas e suas conseqüências, hein.

E é assim que Hawks constrói seu conto definitivo sobre a chegada do fim do cinema clássico, em especial do ciclo do faroeste. Porque, quando vemos John Wayne fracassar em meio a uma cena de ação devido a uma bala não removida de suas costas – e que foi projetada por, vejam só, uma mulher – dentro de um filme que, em sua primeira metade, trata exclusivamente do potencial icônico que sua figura mitológica transmite a um filme do estilo, pode-se dizer que o fim já era sem tempo. E é por isso que El Dorado é a maior refilmagem do cinema, caso seja encarado dessa forma. Destruir o que o primeiro filme, um clássico inegável, trabalhou para construir, e ainda assim ser uma das principais obras-primas – apesar de isso ser pessoal - do gênero que está servindo de alvo para a brincadeira o tempo todo, só poderia ser coisa de um filho da mãe como Hawks.

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Calafrios (David Cronenberg, 1975)

The Parasite Murders; Frissons; They Came From Within; Orgy of the Blood Parasites; The Parasite Complex.

Estes foram alguns dos títulos atribuídos mundo afora ao primeiro filme de David Cronenberg, que por aqui ficou conhecido mesmo como Calafrios. Mas a bizarrice inegável dos nomes não passa nem próximo ao nível incalculável da escatologia que permeia cada quadro dessa curiosa comédia-de-horror-fantástico-sexual-com-toques-de-ficção-científica-non-sense, com a qual o gênio mais incompreendido do cinema moderno deu início à sua espetacular filmografia – composta por alguns dos filmes mais brilhantes das últimas décadas, como A Mosca, Gêmeos, Crash e Spider (sua obra-prima).

O palco de Calafrios é um condomínio de luxo e isolado da sociedade, localizado em uma ilha, onde um cientista, à beira da loucura, testa um novo parasita que desenvolveu para dar mais “garra” a uma sociedade exageradamente pensante. “Uma combinação de doença afrodisíaca e venérea que transformará o mundo numa orgia linda e desenfreada, pois o homem é um animal que pensa demais e que perdeu o contato com seu corpo e instintos”, segundo o próprio indivíduo, que acaba perdendo o controle da experiência ao testá-la em sua parceira – uma vagabunda que transa com todos no prédio e acaba disseminando o parasita.

O circo está armado, e Cronenberg faz do espetáculo um mero veículo para desfilar os elementos mais marcantes da primeira fase de sua filmografia, ou seja, muito sangue, peitos nus, violência escancarada e humor voluntariamente involuntário por mais de uma hora e meia. Mentira, né. Porque o canadense pode ser qualquer coisa, menos um bobo. E é por isso que, mesmo completamente deslocado da impecável continuidade do discurso psicanalista que Cronenberg fundamentaria nos anos seguintes, Shivers é um belo pontapé inicial à estruturação desse universo particular e multifacetário que viria a ser explorado tardiamente.

O alvo principal, aliás, é um dos temas preferidos do diretor, herdado de outros malucos do cinema surrealista da vanguarda, como Luis Buñuel: o sexo; o prazer carnal; o instinto animalesco que umedece a carne humana e expõe as fragilidades todas em uma mesma vitrine, suscetibilizando além da conta um grupo de pessoas isoladas do mundo e que precisam lutar pela sobrevivência – coisa vista anteriormente em O Anjo Exterminador, de Buñuel, por exemplo, um dos grandes filmes do universo. E é engraçado como, mesmo falhando miseravelmente no alcance do tom de mistério e de tensão pretendido, Cronenberg consegue realizar um grande filme se salvando pelo humor, ora premeditado, ora não, coisa pouco usual nele.

E, mesmo que a referida atmosfera fique longe da ideal, talvez especialmente pela falta de densidade – que não deixa de ser proposital, mas acaba conflitando esta outra idéia -, Calafrios é impecável do ponto de vista narrativo. O primeiro ato, um mosaico descosturado que apresenta aos poucos os personagens e o cenário da empreitada, deixa oculto o protagonismo da obra, transformando a curiosidade acerca do mistério no grande fio condutor – algo que é quebrado com a escolha de um ‘herói’ para a segunda metade, que se desfaz do mosaico pra centralizar as ações na luta pela sobrevivência de um só homem dentro daquela situação canibalesca.

Aliás, situação que lembra muito, tanto em espaço quanto na decorrência da ação, um dos mais populares e memoráveis jogos de videogame, Resident Evil – Shivers termina quase como um falso prelúdio para o jogo, mesmo que, no argumento, não tenha muita conexão. Isto sem contar a influência escancarada que certa seqüência teve sobre um filmezinho famosíssimo que seria feito quatro anos depois por um tal de Ridley Scott, sobre um certo bichinho malvado que aterroriza os tripulantes de uma espaçonave. Mas o mais brilhante, acima de tudo, é o desfecho fora de série dessa noite maldita, que rende uma das seqüências mais fantásticas da filmografia do diretor: o ataque ensandecido ao protagonista na piscina do prédio. A sacada final, então, é qualquer coisa de genial. Coisa de Cronenberg mesmo.

terça-feira, 22 de abril de 2008

Five Easy Pieces (Bob Rafelson, 1970)

***
- You're a strange person, Robert.
- What will you come to?
- If a person has no love for himself,no respect for himself... no love of his friends,family, work, something... how can he ask for love in return?
***
- I do not find your language very charming.
- It isn't. It's direct.
***
- I faked a little Chopin.You faked a big response.

segunda-feira, 21 de abril de 2008

A Outra Costela de Adão

A Outra (Another Woman; Woody Allen, 1988)

Incrivelmente otimista, embora seja o filme mais amargo e intimista de Allen. É um conto singelo e poderosíssimo sobre uma mulher que chega a um ponto determinante da vida: o princípio do terceiro ato – analogia muito bem construída em meio às referências dramaturgicas constantes, que culminam na simbólica e maravilhosa seqüência do sonho -, quando finalmente percebe a caoticidade em que se transformou seu mundo particular. A Outra pode ser considerado facilmente um dos filmes mais carregados já realizados. É angustiante, sufocante, uma experiência sadicamente claustrofóbica seguir os passos mortos daquela mulher solitária e insegura, que praticamente virou as costas para a sociedade – e, consequentemente, para a vida - ao perceber que o silêncio no qual se refugiava era simplesmente o grito de desespero que guardava bem ao fundo de sua garganta, enosado, incômodo e impotente. Talvez não exista nada mais cruel do que o momento em que a personagem de Mia Farrow descreve a protagonista para seu psiquiatra, enquanto ela, interpretada de forma indescritível por Gena Rowlands, engole tudo como se bebesse em uma só tragada uma taça cheia de vinho fermentado a ponto de ser considerado vinagre. E mesmo em meio a tanta dor, tanto penar, é admirável que o diretor consiga – proeza semelhante à de seu mestre, Ingmar Bergman, em sua obra-prima máxima, Gritos e Sussurros – concluir o filme de maneira tão bonita, concedendo à sua protagonista não a desejada redenção, mas uma injeção de esperança que a lembra de que ainda existem possibilidades de se transformar o futuro.

Meu preferido continua sendo Annie Hall, mas não vou mentir pra vocês: A Outra é a obra-prima da carreira de Woody Allen. Um filme perfeito.

A Costela de Adão (Adam’s Rib; George Cukor, 1949)

Mordi minha boca malvada que disse que o Cukor tinha mão frouxa pra comédia. A Costela de Adão é maravilhoso, talvez o filme definitivo feito em cima daquela velha fórmula que tanto fora – e é – repetida em Hollywood: a guerra entre os sexos representada por uma batalha cotidiana e inusitada entre marido e mulher. No caso de Adam’s Rib, o pontapé inicial para a confusão é uma tentativa de assassinato, cometida por uma mulher cansada de ver seu marido “pular a cerca”. Spencer Tracy e Katherine Hepburn fazem o casal de advogados designados para defender ambas as partes – respectivamente acusação e defesa. Detalhe: os dois são casados, ela é uma feminista que deseja provar de uma vez por todas os preconceitos e a desigualdade social em relação aos direitos das mulheres e ambos vão duelar no tribunal – e em sua relação conjugal, consequentemente, conforme mergulham cada vez mais no caso. E é muito curioso como o Cukor, que normalmente esquece – ou faz de conta que não quer saber - que um filme pode ter estrutura narrativa, monta de maneira muito inteligente toda a preparação em graus para o estouro final, começando com o embate advogado/advogada, passando pra homem/mulher e fechando o ciclo, finalmente, na relação marido/esposa dos dois, recheada de gags incríveis. Mas não adianta: o que faz A Costela de Adão ser um filme acima da média, sem dúvidas, é o entrosamento irrepreensível entre Tracy e Hepburn, dois monstros na tela, dois gênios na comédia. Auxiliados pelos diálogos sempre enxutos e certeiros e pelas situações divertidíssimas que acarreta a disputa deles dentro do tribunal, a dupla transforma essa inusitada comédia de costumes no provável grande filme da carreira de Cukor.

domingo, 20 de abril de 2008

Meus 25 Filmes Preferidos Nessa Semana

O Demônio das Onze Horas (Pierrot le Fou; Godard)
No Silêncio da Noite (In a Lonely Place; Nicholas Ray)
O Ano Passado em Marienbad (L'Année Dernière à Marienbad; Resnais)
Meu Ódio Será Tua Herança (The Wild Bunch; Sam Peckinpah)
O Anjo Exterminador (El Angel Exterminador; Luis Buñuel)
Corrida Sem Fim (Two-Lane Blacktop; Monte Hellman)

Cada Um Vive Como Quer (Five Easy Pieces; Bob Rafelson)
Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (Annie Hall; Woody Allen)
A Tortura do Medo (Peeping Tom; Michael Powell)
Profissão: Repórter (Professione: Reporter; Michelangelo Antonioni)
Jejum de Amor (His Girl Friday; Howard Hawks)

Repulsa ao Sexo (Repulsion; Roman Polanski)
Gritos e Sussurros (Viskningar Och Rop; Ingmar Bergman)
A Morte Num Beijo (Kiss Me Deadly; Robert Aldrich)
Trágica Obsessão (Obsession; Brian De Palma)
O Samurai (Le Samourai; Jean-Pierre Melville)
Blow Up (Blow Up; Michelangelo Antonioni)

A Marca da Maldade (Touch of Evil; Orson Welles)
Janela Indiscreta (Rear Window; Alfred Hitchcock)
Week-End à Francesa (Week-End; Jean-Luc Godard)

Depois de Horas (After Hours; Martin Scorsese)
Veludo Azul (Blue Velvet; David Lynch)
Almas Perversas (Scarlet Street; Fritz Lang)
São Paulo Sociedade Anônima (idem; Luis Sérgio Person)
Era Uma Vez no Oeste (C’era Una Volta Il West; Sergio Leone)

Rapidinhas

Prelúdio Para Matar (Profondo Rosso; Dario Argento, 1975)

Prelúdio Para Matar é um filme de picos. Provavelmente atinge o casamento máximo entre imagem e som para construção de uma ambientação própria; de clima; de tensão. Cada seqüência de mistério, de investigação ou assassinato, sempre conduzidas como uma virgem suicida pelos acordes rasgados, gritantes e abusivos da trilha-sonora, consegue impressionar como poucas coisas já filmadas conseguem. É praticamente uma amplificação atmosférica de Império dos Sonhos, só que ainda mais brilhante nesse sentido. O curioso, porém, é o fato de a própria trilha-sonora parecer pontuar a pequena discrepância qualitativa de Prelúdio Para Matar – não simplesmente por esses momentos sem som perderem o mais fundamental atrativo do filme, eu acho. As cenas com a jornalista, por exemplo, parecem fazer parte de outro filme – ou estarem ali somente para dar vazão à troca de informações do protagonista com o espectador. Sem contar que o final a la Sexta-Feira 13 também decepciona – dava pra esperar algo bem mais ousado levando em conta a habilidade do Argento em construir toda a trama-sem-trama do filme. Aliás, levando em conta que o diretor parte do mesmo ponto de partida de Blow Up – é uma grande homenagem ao filme, aliás -, não tem como não comparar: a resolução do mistério e da brincadeira real/imaginário do Antonioni dá uma surra na do Argento, mesmo que naquele caso não seja a prioridade . Mas tudo isso não é suficiente para fazer de Prelúdio Para Matar um filme menos sensacional.

Os Homens Preferem as Loiras (Gentlemen Prefer Blondes; Howard Hawks, 1953)

O grande momento da carreira de Marilyn Monroe é Quanto Mais Quente Melhor, obra-prima da comédia sofisticada de Billy Wilder. Mas ninguém, nem mesmo Wilder no auge de sua genialidade, soube utilizar as principais características da persona cinematográfica de Monroe como Hawks neste divertido musical cômico de estúdio. O filme passa longe de ser uma das obras-primas do diretor, é claro, mas impressiona por fundamentar ainda mais um fato impossível de ser contestado: Hawks é tudo aquilo que Marc Foster queria ser, mas não vai conseguir jamais: um verdadeiro camaleão cinematográfico. O mais curioso, inclusive, é a consciência de Hawks ao tratar de seu próprio material, principalmente no que diz respeito à sua atriz – que ainda nem era o símbolo que seria anos depois, mas enfim. A principal característica de Monroe é transposta para o filme, raso, seco, todo colorido e exagerado, inegavelmente e plenamente construído em volta da ideologia da “dondoquinha fútil e mimada” que só pensa em homens ricos, dinheiros e diamantes. É quase um filme de porcelana. E o diretor, sabendo que extrapolou o tempo todo, ainda promove uma encenação de seu próprio universo ficcional no final – uma metalinguagem sem exteriores, inusitada, entre uma seqüência e o próprio produto. Mas a melhor coisa, de longe, é o personagem do nobre milionário inglês que, na realidade, é uma criança. Suas duas participações no filme são geniais – principalmente naquele que é o melhor momento do filme, quando Marilyn fica entalada na janela de uma cabine. Bobo, mas ótimo.

Os Corruptos (The Big Heat; Fritz Lang, 1953)

Estou começando a achar que o Lang deveria ter sido proibido de filmar noirs. Almas Perversas é uma das mais fundamentais obras-primas do estilo, todo sarcástico, amoral, recheado de personagens inescrupulosos e com o anti-herói mais anti-herói do mundo, por promover seu próprio fim pela burrice, pela inocência com a qual rege sua vida – Crime e Castigo não teria tanta densidade jamais. Os Corruptos, por sua vez, se prende ao universo da corrupção dentro das relações políticas de um município, seguindo aquela regra do filme policial da época, mas não deixando de lado a ironia pura e desmedida ao quebrar com a visão ainda em construção da ideologia que ficaria impregnada por longos anos no consciente social dos norte-americanos, o chamado American Way of Life. Na carona, Lang ainda constrói uma das mais intrigantes tramas do noir, evocando os principais elementos do estilo e procurando não transgredir, como fizera anteriormente, simplesmente posicioná-los de forma atraente. Além disso, ainda é ainda é um dos filmes que conseguem tratar de forma mais sincera sobre o ato da vingança, em especial pela consciência do protagonista de que a morte da esposa foi conseqüência de seu excesso de dedicação – e descontrole – na investigação que conduzia. É um filme bastante duro, lindamente fotografado e muito bem comprimido em seus 89 minutos, fato que poderia ter transformado filmes como Metrópolis, que o Lang fez ainda na Alemanha, no início da carreira, em obras-primas.

quinta-feira, 17 de abril de 2008

Two-Lane Blacktop (Monte Hellman, 1971)

Jamais poderia imaginar que um filme de corrida de carro fosse se transformar em um dos meus preferidos. Mas aconteceu. A minha sorte, porém, é que Two-Lane Blacktop, essencialmente, pode ser qualquer coisa, menos um filme de corrida. É uma experiência devastadora, introspectiva, hipnotizante. Um faroeste moderno travestido de road-movie contracultural que parece ter sido idealizado através de alguma convergência espiritual e ideológica indescritível entre Hawks e Antonioni. Um olhar despido de julgamentos, de predefinições, sobre um universo destituído de passado e presente, de rumo, de sentido, de comos e porquês – um universo de espaço sem tempo. É o desconserto de um grupo de almas mecanizadas – poucas coisas são tão cruéis quanto ver o cotidiano de melhores amigos ter o silêncio quebrado apenas por comentários alienígenas sobre carros e sua mecânica, sobre corridas, apostas e nada mais – que correm, correm, correm, mas não encontram um destino. É a inclusão de fatores externos dentro de uma rotina insípida que não gera nada a não ser a continuidade de um processo cíclico de autodestruição – que, na realidade, não tem fim. Não tem fim, porque se trata da vida de pessoas que já nasceram mortas, encaixotadas, que apenas precisam se dar conta disso – e a tal corrida que apostam ruma unicamente a essa descoberta, e nada mais. Que, assim como um carburador, só têm funcionalidade quando inseridas em meio ao sistema de um automóvel: nulas, caladas, sustentando seu reflexo de inexistência, comparando-se regularmente a peças de carro ou até mesmo a insetos. Pessoas que não possuem nome, chamadas apenas de Piloto, Mecânico e Mulher, sendo que o mais humano deles, ou talvez o único que consiga absorver as multifacetas do mundo que o cerca, recebe simplesmente a denominação de GTO – e é aí que entram James Taylor, Dennis Wylson, Warren Oates e Laurie Bird, talvez o grupo de protagonistas mais genial que já atuou em um filme (mesmo que dois deles sejam músicos, por exemplo – Wylson, inclusive, era nada mais nada menos que um dos integrantes do Beach Boys, bandas das mais geniais). E Hellman sabe que não precisa ser explícito, exagerado, e faz talvez o filme mais sóbrio do mundo. E, por incrível que pareça, o emblemático plano final, com a celulóide queimando, se desfragmentando, depois de a imagem entrar em um processo gradativo de lenteamento em meio a uma seqüência qualquer, é a coisa mais sensata que ele poderia ter feito para encerrar seu próprio filme. Porque o fim, no final das contas, já havia sido celebrado no primeiro frame do filme.

É muito difícil transformar em palavras o que resta de uma experiência tão sensorial quanto Two-Lane Blacktop. Acho que é melhor você fazerem de conta que não leram nada.

terça-feira, 15 de abril de 2008

Fuga do Passado (Jacques Tourneur, 1947)

Se eu precisasse apontar uma coisa de ruim nos filmes noir da primeira metade do movimento, mais precisamente a década de 1940, sem dúvida alguma escolheria os flashbacks – recurso que de certa forma virou marca registrada do estilo, mas que se perdeu em suas constantes transgressões temáticas e morais. É só ver, por exemplo, Uma Vida Por Um Fio, do russo Anatole Litvak, pra perceber o quanto perde de fluidez e de tensão um filme todo recortado por lembranças e explicações evocadas pela quebra da narrativa – naquele caso, em especial, toda a claustrofobia da estória de uma mulher presa à cama, devido a uma doença, que sabe que será assassinada em determinada hora da noite, é atirada descarga abaixo pelos constantes vai-e-vens (aliás, se jogasse todos os flashbacks fora, o diretor poderia montar um curta genial - de 15 minutos, no máximo).

O curioso, porém, é que mais de trinta dos quarenta e cinco primeiros minutos de Fuga do Passado formam um extenso flashback, utilizado para registrar os comos e os porquês dos rumos que a estória toma em seu prólogo. Curioso porque, no longa de Jacques Tourneur, a insistência em construir a estrutura através das memórias do protagonista, um Robert Mitchum completamente diferente do que se vê em O Mensageiro do Diabo ou Circulo do Medo ou faroestes como El Dorado – aqui até cena romântica o homem mais assustador do cinema faz! -, dá ao filme um charme ainda mais irresistível, transformando uma das brincadeiras mais inventivas de que se tem notícia com os principais elementos do noir – a femme fatale mais femme fatale de todas está aqui, por exemplo – em um trabalho de primeira linha.

Desde o início na cidadezinha pacata até o final, na mesma cidadezinha, agora tomada pela paranóia que envolve a enrolação interminável do protagonista com um mal feitor da cidade grande, Fuga do Passado é uma brincadeira de pega-pega sem qualquer resquício de diversão. E é impressionante a milimetricidade detalhistica do roteiro, sustentando idas e vindas e uma sobriedade impecável mesmo com as constantes aparições de personagens novos e que saem com a mesma rapidez, mortos ou não, além de sustentar muito bem a pendência do protagonista para ambos os lados femininos, o bom e o mau, e construir alguns momentos bem genuínos de charme e requinte românticos, coisa que pouco se vê em um filme policial – ainda que este tenha certos toques dramáticos além dos outros.

Mas o mais interessante é a ambigüidade que cada diálogo ou ação consegue transparecer dentro daquela máxima do noir, de o mundo ser feito de piranhas inescrupulosas, de não se poder acreditar em ninguém nem dormir sem a arma debaixo do travesseiro - o que em alguns casos é levado às últimas conseqüências pela forma e pelo conteúdo, mas aqui tudo é conduzido com muita tranqüilidade e mesmo assim chega ao extremismo pra quase todos os envolvidos. É sacanagem atrás de sacanagem, e até o último minuto não tem com ter certeza de quem está – ou estava - do lado de quem – tanto é que o filme termina com alguém tentando tirar esta mesma dúvida.

Grande, grande filme.

Melhores Filmes da Década de 70

Pra complementar a divina trindade das décadas cinematográficas:

01. Corrida Sem Fim (Two-Lane Blacktop; Monte Hellman, 1971)
02. Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (Annie Hall; Woody Allen, 1977)
03. Profissão: Repórter (Professione: Reporter; Michelangelo Antonioni, 1975)
04. Esse Obscuro Objeto do Desejo (Cet Obscur Objet du Désir, 1977)
05. Gritos e Sussurros (Viskningar Och Rop; Ingmar Bergman, 1972)
06. Sonhos de um Sedutor (Play It Again, Sam!; Herbert Ross, 1972)
07. O Inquilino (The Locataire; Roman Polanski, 1976)
08. Apocalypse Now (Apocalypse Now; Francis Ford Coppola, 1979)
09. Quando os Homens São Homens (McCabe and Mrs Miller; Robert Altman, 1971)
10. Cada Um Vive Como Quer (Five Easy Peaces; Bob Rafelson, 1970)

11. Carrie – A Estranha (Carrie; Brian De Palma, 1976)
12. O Discreto Charme da Burguesia (Le Charme discret de La bourgeoisie; Luis Buñuel, 1972)
13. Taxi Driver (Taxi Driver; Martin Scorsese, 1976)
14. Aguirre, A Cólera dos Deuses (Aguirre, Der Zorn Gottes; Werner Herzog, 1972)
15. Ânsia de Amar (Carnal Knowledge; Mick Nichols, 1971)
16. Chinatown (Chinatown; Roman Polanski, 1974)

17. Prelúdio Para Matar (Profondo Rosso; Dario Argento, 1975)
18. Laranja Mecânica (A Clockwork Orange; Stanley Kubrick, 1971)
19. O Fantasma da Liberdade (Le Fantôme de la liberte; Luis Buñuel, 1974)
20. A Conversação (The Conversation; Francis Ford Coppola, 1974)
21. Quando Explode a Vingança (Giù La testa; Sergio Leone, 1971)
22. Barry Lyndon (Barry Lyndon; Stanley Kubrick, 1976)
23. O Estranho Que Nós Amamos (The Beguiled; Don Siegel; 1971)
24. Inverno de Sangue em Veneza (Don’t Look Know; Nicholas Roeg, 1973)
25. Manhattan (Manhattan; Woody Allen, 1979)
26. A Última Sessão de Cinema (The Last Picture Show; Peter Bogdanovich; 1971)
27. A Noite Americana (La Nuit Américaine; François Truffaut; 1973)
28. Rede de Intrigas (The Network; Sidney Lumet, 1976)

29. Último Tango em Paris (Ultimo tango a Parigi; Bernardo Bertolucci, 1972)
30. De Volta ao Vale das Bonecas (Beyond the Valley of the Dolls; Russ Meyer, 1970)

Lembrando que, por burrice ou qualquer coisa parecida, ainda não vi nenhum Peckinpah dessa década.

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Melhores Filmes da Década de 50

Curiosamente, lista tão difícil de ser montada quanto a dos anos 60 - e que, ao contrário do que eu esperava, teve pelo menos uma dezena de filmes que me torturam por não estarem entre os trinta.

01. No Silêncio da Noite (In a Lonely Place; Nicholas Ray, 1950)
02. A Morte Num Beijo (Kiss Me Deadly; Robert Aldrich, 1955)
03. Os Esquecidos (Los Olvidados; Luis Buñuel, 1950)
04. Janela Indiscreta (Rear Window; Alfred Hitchcock, 1954)
05. A Marca da Maldade (Touch of Evil; Orson Welles, 1958)
06. O Salário do Medo (Le Salaire de la Peur; Henri-Georges Clouzot, 1953)
07. Hiroshima Meu Amor (Hiroshima Mon Amour; Alain Resnais; 1959)
08. Crepúsculo dos Deuses (Sunset Boulevard; Billy Wilder, 1950)
09. Morangos Silvestres (Smultronstället; Ingmar Bergman, 1957)
10. Onde Começa o Inferno (Rio Bravo; Howard Hawks, 1959)
11. Doze Homens e uma Sentença (12 Angry Man; Sidney Lumet, 1957)
12. O Mensageiro do Diabo (The Night of the Hunter; Charles Laughton, 1955)
13. O Batedor de Carteiras (Pickpocket; Robert Bresson, 1959)
14. Vidas Amargas (East of Eden; Elia Kazan, 1955)
15. Um Corpo Que Cai (Vertigo; Alfred Hitchcock, 1958)
16. A Montanha dos Sete Abutres (The Big Carnival; Billy Wilder, 1951)
17. Rififi (Duz Rififi Chez les Homens; Jules Dassin, 1955)
18. Anatomia de um Crime (Anatomy of a Murder; Otto Preminger, 1959)
19. O Grande Golpe (The Killing; Stanley Kubrick, 1956)
20. Quanto Mais Quente Melhor (Some Like it Hot; Billy Wilder, 1959)
21. Ensaio de um Crime (Ensayo de um Crime; Luis Buñuel, 1955)
22. Rashomon (Rashomon; Akira Kurosawa, 1950)
23. Embriaguez de um Sucesso (Sweet Smell of Sucess; Alexander Mackendrick, 1957)
24. O Alucinado (El; Luis Buñuel, 1953)
25. Rastros de Ódio (The Searchers; John Ford, 1956)
26. Uma Rua Chamada Pecado (A Streetcar Named Desire; Elia Kazan, 1951)
27. O Sétimo Selo (Det Sjunde inseglet; Ingmar Bergman, 1957)
28. Intriga Internacional (North by Northwest; Alfred Hitchcock, 1959)
29. Um Lugar ao Sol (A Place in the Sun; George Stevens, 1951)
30. Cantando na Chuva (Singin in the Rain; Stanley Donen & Gene Kelly, 1952)

domingo, 13 de abril de 2008

Felicidade (Todd Solondz, 1998)

Não tenho condições psicológicas pra escrever sobre esse.

Mas é o filme mais mordaz do mundo, e talvez por isso, um dos mais sarcasticos, engraçados e, ao mesmo tempo, doentios e amargos retratos já pintados sobre a natureza humana.

Top cinco ou três da década de 1990, com certeza.

O Beijo Amargo (Samuel Fuller, 1964)

Grantville parecia ser a cidadezinha perfeita para um ex-prostituta tentar a sorte de conseguir embeber sua vida soturna em um pouco de banalidade. Mães passeiam com crianças pelos parques; homens cordiais encontram-se em esquinas para jogar conversa fora; as ruas parecem limpas, cristalinas, simétricas, ao contrário da sujeira e da podridão inesgotáveis de uma grande metrópole.

Um nome determinante, porém, faz o sonho despencar imediatamente aos olhos do mais crédulo dos fiéis: Samuel Fuller, diretor símbolo de audácia e transgressão (responsável por alguns ótimos trabalhos como o documento-de-recortes Agonia e Glória). A exemplo do que Lynch arquiteta em sua grande obra-prima, Veludo Azul, Fuller carrega de esperanças o universo pacato do interior dos Estados Unidos para, posteriormente, arremessar a lama quente e fedida a merda por todos os lados.

O Beijo Amargo pode até ser considerado um típico representante do cinema noir, mas no fim acaba sendo uma experiência suja, amoral, escandalosa e corruptuosa demais inclusive para o gênero – mesmo sendo exatamente estas as características principais do estilo, o que cria um paradoxo bastante interessante. É, na realidade, um melodrama rasgado por uma ironia muito distante de ser sutil, que consegue encontrar semelhanças, talvez, apenas no atual cinema de Lars Von Trier.

Aliás, é curiosa a relação que possui com aquela que talvez seja o mais virtuoso exemplo do cinema do dinamarquês, Dançando no Escuro. Porque, tanto em um quanto no outro, é notável a manipulação amoral de cada frame do filme para a acentuação e a fundamentação do discurso final - mas ao contrário do que pode parecer, no fim acaba sendo o mais imprescindível elemento para transformar o filme naquilo que ele realmente é, e não uma sacanagem desastrosa – talvez o grande exemplo disso seja o maniqueísmo das imagens

Porque a odisséia de mergulho em um mar cada vez mais preenchido de desgraça, que leva a protagonista a uma desilusão incontrolável com a sociedade na qual está inserida – mesmo que o fato não seja explícito, tanto quanto seus sentimentos, expressados apenas pela inaptidão de seu semblante de amargor quase indestrutível antes da explosão derradeira -, nada mais é do que Fuller cravando o dedo nas principais feridas da América para comprovar sua tese de que o sonho americano, na realidade, é a mais pura utopia, e que o sonho está distante de ser alcançado – principalmente diante de toda a perversidade que dá subsídio para a ilusão do American Way of Life.

Ainda mais para alguém que está na mira da brutalidade inescrupulosa de Fuller.

sábado, 12 de abril de 2008

Melhores Filmes da Década de 60

Muita coisa boa ficou de fora, mas aí vai:

01. O Demônio das Onze Horas (Pierrot le Fou; Jean-Luc Godard, 1965)
02. Meu Ódio Será Tua Herança (The Wild Bunch; Sam Peckinpah, 1969)
03. O Ano Passado em Marienbad (L'Année Dernière à Marienbad; Alain Resnais, 1961)
04. O Anjo Exterminador (El Angel Exterminador; Luis Buñuel, 1963)
05. O Eclipse (L’Eclisse; Michelangelo Antonioni, 1962)
06. A Hora do Lobo (Vargtimmen; Ingmar Bergman, 1968)
07. A Tortura do Medo (Peeping Tom; Michael Powell, 1960)
08. Repulsa ao Sexo (Repulsion; Roman Polanski, 1965)
09. O Samurai (Le Samourai; Jean-Pierre Melville, 1967)
10. Era Uma Vez no Oeste (C'era una Volta il West; Sergio Leone, 1968)
11. Blow Up – Depois Daquele Beijo (Blow Up; Michelangelo Antonioni, 1966)
12. Weekend à Francesa (Week-End; Jean-Luc Godard, 1966)
13. 2001: Uma Odisséia no Espaço (2001: A Space Odissey; Stanley Kubrick, 1968)
14. Uma Mulher é uma Mulher (Une Femme est une Femme; Jean-Luc Godard, 1961)
15. Clamor do Sexo (Splendor in the Glass; Elia Kazan, 1961)
16. São Paulo S.A (São Paulo S.A; Luis Sergio Person, 1968)
17. O Criado (The Servant; Joseph Losey, 1962)
18. Viver a Vida (Vivre sa Vie; Jean-Luc Godard, 1962)
19. O Bandido da Luz Vermelha (Rogério Sganzerla, 1968)
20. A Primeira Noite de um Homem (The Graduate; Mick Nichols, 1967)
21. O Desprezo (Le Mépris; Jean-Luc Godard, 1963)
22. A Aventura (L’Avventura, Michelangelo Antonioni, 1960)
23. Doutor Fantástico (Doctor Strangelove; Stanley Kubrick, 1963)

24. O Beijo Amargo (The Naked Kiss; Samuel Fuller, 1964)
25. A Bela da Tarde (Le Belle de Jour; Luis Buñuel, 1967)
26. Os Olhos Sem Rosto (Les Yeux sans visage; Georges Franju, 1960)
27. Persona – Quando Duas Mulheres Pecam (Persona; Ingmar Bergman, 1966)
28. O Bebê de Rosemary (Rosemary’s Baby; Roman Polanski, 1968)
29. Hatari! (Hatari!; Howard Hawks, 1962)
30. O Homem Que Matou o Facínora (The Man Who Shot Liberty Valance; John Ford, 1962)

Talvez depois eu edite algumas referências a filmes não citados.

Pickpocket (Robert Bresson, 1959)

Pickpocket é uma confissão. É o registro do remorso; do engasgo do desespero; da dor. Um produto da consciência do pecado. Uma invasão sem sobreavisos ao obscuro sobrado do arrependimento, onde vagueia o homem à procura de redenção. Pela melancolia do momento, é até curioso o fato de ser tão imprescindível a frieza da abordagem, a insistência no distanciamento daquele que é o principal pilar do filme: os sentimentos.

Porque Pickpocket é o registro de uma alma sob forma de um filme sem alma; duro; impenetrável – e, curiosamente, por isso mesmo, tão profundo. Uma dissecação com sobreavisos de um homem transtornado pela frieza que transpira a cada movimento. É o registro do vazio e do distanciamento que substraem um coração. Um engasgo de desespero que brota do desconserto. Um produto que perdura na inconsciência do destino. Uma auto-descrição impenetrável e tinturada de efeito bumerangue.

É o registro da busca de redenção sob forma de uma confissão que não pretende ser ouvida.

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Rififi (Jules Dassin, 1955)

Rififi mereceria uma longa análise de mais ou menos 77 páginas, algo que não poderei realizar.

Mas vale dizer que, além de uma das seqüências mais absurdas de todo o cinema – roubo à joalheria com cerca de 30 minutos sem diálogo nem som extradiegético, que, sem exagero, faz Leone parecer brincadeira devido à capacidade impressionante de alongar ação e construir tensão – e da desconcertante impecabilidade narrativa, o grande atrativo de Rififi, pra mim, é o diálogo mais do que direto com o maior faroeste e filme americano de todos os tempos, Meu Ódio Será Tua Herança, deslocando o foco do coletivo para o indivídio para tratar de um homem plenamente ultrapassado que, premeditando o fim de sua própria era, se dá conta de que nada mais tem a perder – em especial depois de ter acertado todas as contas com o passado.

quarta-feira, 9 de abril de 2008

Ensaio de um Crime (Luis Buñuel, 1955)

Só os primeiros seis minutos desta obra-prima do humor negro já deixariam qualquer filminho que tenta-brincar-com-a-morte-como-se-estivesse-projetando-imagens-de-pegapega-em-um-parquinho-infantil no chinelo: ainda enquanto criança, o bizarro protagonista de Ensaio de um Crime se mostra vislumbrado pela caixinha de música de sua mãe. Com pressa para sair com o marido, sua genitora pede para a empregada que invente uma história qualquer sobre a caixinha, a fim de entretê-lo. A imaginação da mulher, em pleno auge da revolução mexicana, muda o rumo de toda a vida do moleque.

Segundo ela, a caixinha teria sido projetada por um rei, de qualquer longínquo reino de um tempo do qual não se tem mais registros. O objetivo do monarca, ao requerir tal objeto para um gênio (no sentido de gênio-da-lâmpada mesmo), era aniquilar todas as pessoas que lhe importunassem. A cada vez que a música soasse do brinquedo, alguém morria. Um homem com controle total sobre seu mundo. Enquanto conta toda esta história, a moça se dirige até a janela para ver o tiroteio que acontecia logo ali, na rua, no mesmo momento em que o garotinho faz um pedido: se a caixinha realmente tem este poder, que alguém morra neste exato momento.

E é o que acontece. Atravessando a vidraça, a bala de um revólver se assenta bem em meio à nuca da empregada, que vai ao chão sem qualquer resistência. Uma criança, diante de tal situação, normalmente restaria em estado de choque, ou até mesmo se sentiria culpada por ter influenciado, mesmo que indiretamente, na morte da moça. Archibaldo de la Cruz não. Ele, sorri. O momento de total controle sobre seu pequeno mundo lhe gerara fartas doses de gozo indisciplinado. É um prólogo de perturbação instantânea arquitetado por Buñuel, ao mesmo tempo em que serve pra apresentar o tom desta que é uma das mais mordazes brincadeiras sexuais de toda a sua carreira.

Porque mais do que um filme sobre a morte, Ensaio de um Crime é um filme sobre o sexo. Talvez não o ato em si, mas tudo aquilo que representa, tanto no aspecto físico quanto no controle impositivo do macho sobre a fêmea – ou vice-e-versa. E é desta forma que Archibaldo leva sua vida daqui por diante, realizando uma grande miscelânea entre o sexo e a morte, a busca do prazer através do assassinato, ou melhor, a busca do assassinato através do prazer – já que todas as suas vítimas subseqüentes foram escolhidas seguindo apenas um critério: o tesão. Archibaldo não mata, simplesmente, porque matar, para ele, é atingir o orgasmo. Assassinato é sexo. Sexo é morte.

Mas nada é tão simples, já que, para Buñuel, não basta atingir o máximo do absurdo. É preciso ultrapassá-lo. E o maior escultor de obras-primas de todo o cinema, através de uma jogada de mestre, propulciona a comicidade mórbida da obra a níveis de puro delírio cinematográfico, já que a envoltura de impotência e mediocridade recebida pelo protagonista, que jamais consegue efetivamente assassinar qualquer uma de suas vítimas – as moças sempre morrem em algum tipo de acidente antes de ele finalmente praticar o crime-, resulta em uma de suas seqüências mais geniais e memoráveis: a simulação da masturbação através de uma das metáforas mais significativas de todo o cinema, um manequim queimando em um forno gigante.

Archibaldo consegue atingir o orgasmo – mesmo que o sexo tenha sido simulado.

À Salvo (Todd Haynes, 1995)

Meu primeiro Haynes. Não tenho como afirmar sobre a filmografia de uma forma geral, mas este, particularmente, resguarda muitas semelhanças com o cinema do Cronenberg, em especial com Gêmeos, um dos grandes filmes das últimas décadas.

Aliás, além da fundamental abundância de planos abertos em volta da personagem de Moore, praticamente engolida, esmagada, pelas engrenagens do mundo moderno, o que ajuda muito a construir todo o clima sufocante é a trilha sonora, sempre com poucos acordes, mas pontualmente marcante - e que me remeteu diretamente a Império dos Sonhos, por sinal.

Com duas referências como estas acho que pode-se concluir o quanto eu gostei do filme.

domingo, 6 de abril de 2008

O Jogador (Robert Altman, 1992)

“A Fucking Hollywood Story”

Este poderia muito bem ser o slogan. Primeiro, porque O Jogador é o neoclássico absoluto do gênero policial-noir-dentro-do-mundo-de-sonhos-de-Los-Angeles, coisa bem popular na Era de Ouro, e que rendeu tanto filmes fundamentadores de estilo quanto rasgadores de conceitos – que hora ou outra são evocados de alguma forma pelo roteiro, seja em referências, seja por um simples cartaz que prenuncia a próxima seqüência, seu tom e importância dentro da narrativa, definindo o rumo que a estória vai tomar.

Segundo, porque O Jogador vive completamente sufocado pelo submundo desglamourizado do universo do cinema, recheado de canastrice, hipocrisia e sarcasticidade por todos os cantos, salas e ruas – sempre um tom acima do “normal”, genialmente alcançado pelo Altman. É um mar de referências, citações, atores interpretando a eles mesmos de cena em cena e etc – sem contar que a metalinguagem teve poucas chances de ser tão bem utilizada como neste final recheado de [auto]ironia, com direito a aparição surpresa e hilariante de Bruce Willis e um encerramento que comprova a rara sutilidade do diretor em brincar com seu próprio cinema.

sábado, 5 de abril de 2008

Masculino, Feminino (Jean-Luc Godard, 1966)

É como se o Godard tivesse resolvido lançar um olhar realista em cima da juventude francesa às vésperas da revolução estudantil de maio de 1968, sem interferir dramaturgicamente e, principalmente, deixando de lado a habitual descontinuidade narrativa.

Masculino, Feminino é pura fluência de uma visão destituída de ornamentos sobre uma sociedade que, invariavelmente, vivia o caos da indecisão, presenciava o conflito de conceitos e construía, a partir das diferenças, uma verdadeira guerra de ideologias – dentro daquela miscelânea entre Coca Cola e Karl Marx muito bem disposta pelo diretor.

Talvez seja o filme de Godard que mais se aproxime do universo de seu principal colega e pensador da Nouvelle Vague, Truffaut - talvez um pouco menos poético, mas extraindo, aos poucos, a poesia da própria vida, exatamente da forma como ela é – sem contar que vale mais do que qualquer coisa produzida por ele.

Esqueça a anarquia apocalíptica de Weekend à Francesa, a utopia libertária de O Demônio das Onze Horas ou o lirismo dramático de Viver a Vida. Masculino, Feminino é a prova de que, às vezes, Godard pode ser sincero, mais sincero do que muita gente que pretende um retrato de fidelidade sobre a vida real.

O Eclipse (Michelangelo Antonioni, 1962)

“Gostaria de não amá-lo ou amá-lo muito mais”, afirma a personagem de Mônica Vitti desta emblemática apoteose de sensações catalisada por Michelangelo Antonioni, um dos maiores mestres do cinema. A sentença, proferida em um dos momentos-chave desta singular obra-prima que encerra a Trilogia da Incomunicabilidade, resume em prática todo o espírito e a estrutura da jornada espiritualmente opaca de dois personagens típicos de Antonioni, que repetem, desta vez juntos, mais uma versão desconcertante do habitual sacrifício sintomático do âmbito das relações humanas.

Em O Eclipse, Antonioni novamente interrelaciona os principais elementos básicos do cinema, a temática e a decupagem, para dar continuidade ao seu infinito discurso sobre o tédio do homem contemporâneo, sufocado pela rotina e pelas enormes construções de concreto, que canalizam seus espaços de fuga para o próprio interior – desta feita, um pedaço morto de poesia que não mais encontra maneiras de sobreviver. A visão, agora, é atirada sobre o amor, ou melhor, os relacionamentos amorosos, nada além de um processo de repetição contínua e irredutível, diante da interferência direta do mundo modernizado.

Um amor exausto, irrenovável, que não permite espaço ao que ainda não fora contagiado pela mesmice e pela imensurável distância de espírito entre o homem e o mundo – ou quem o habita. Pois o filme, que começa com o afastamento pleno (mesmo que a plenitude não seja física, palpável) entre ambas as partes de um casal, permitindo a certeza de que jamais fornecerá o reencontro, conclui-se da mesma forma, ainda que sem brigas ou nem mesmo crises, deixando no ar um tom de despedida indesejada que transpira por cada frame, cada enquadramento.

Todo o tédio, a longa espera por algo que parece jamais chegar, é transposto para a estrutura narrativa, prolongando a cada momento a sensação de que a obra terá um fim. Porque o fim, na realidade, não deixa de ser o próprio começo. O mundo já está morto. Os meios não mais justificam nada. O desconforto encobre tudo. Amor. Desejo. Felicidade. Os sentimentos foram enterrados. A vida avança, se renova, mas permanece a mesma. A sensação de cansaço parece não sumir jamais. E nada mais coerente do que concluir o inconclusível com o silêncio; o vazio ;o desconforto; a incerteza; o desolamento; a frieza. Ou, quem sabe, simplesmente, a inconclusão.

Porque não seria exagero algum afirmar que o final de O Eclipse, no qual Antonioni elimina os personagens de cena para fotografar pequenos cantos vazios da cidade, vagando sem rumo com sua câmera densa, inquieta, através de esgotos, sarjetas e construções incompletas, e terminando o desfecho com a imagem do sol se apagando para dar espaço às luzes da cidade, é o melhor, mais simbólico, representativo e impressionante de todo o cinema. Porque o eclipse, período durante o qual o mundo pára, estagna, foi transportado da natureza para a sociedade contemporânea, através da automatização das relações humanas. E o alvo do encobrimento, desta forma, são os próprios sentimentos.

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Almas Perversas (Fritz Lang, 1945)

Algo de muito estranho permeia esta magnífica obra de Fritz Lang. Uma ambigüidade turva, talvez por ser demasiadamente clara. Uma densidade de superfície, talvez por ser demasiadamente profunda – não saberia distinguir exatamente o quê. O que fica explícito, porém, é o senso de ironia incongruentemente borrifado em cada seqüência deste preciosista jogo de canastrices intermináveis, através do qual Lang apresenta sua visão amarga da moral que rege a sociedade moderna – que nada mais é do que a babá perversa das relações humanas, a imoralidade.

E nada melhor do que situar este seu minucioso olhar sobre a corrosão da vergonha facial no ambiente mais propício à impiedade e ao controle de marionetes dramatúrgicas, o noir – também conhecido como o melhor gênero do cinema. Através da obsessão de um bancário falido por uma mulher sedutora – e ainda mais falida -, Lang ultrapassa as barreiras do perfil clássico do estilo para construir, com toda a sua pompa e senso estético habituais, um delicioso e gradativo afogamento das personagens no mar de conseqüências que brotam de seus próprios excessos.

Mas o mais interessante, acima de tudo, é a forma com a qual Lang desenvolve as relações pessoais deste seu pequeno rebanho de protagonistas. Ninguém é poupado dos contornos obscuros que acentuam toda a mordacidade existente nas ruas sujas e escuras da velha Nova York. Nem mesmo o “herói” – que fica muito longe de se encaixar em uma definição como esta, devido à sua mediocridade -, escapa da dubiedade ao se portar, em certos momentos, da mesma forma como seus algozes – embora, em grande parte do filme, seja um medíocre mesmo (no qual, inclusive, podem-se enxergar fortes influencias sobre o protagonista de O Homem Que Não Estava Lá, dos Irmãos Coen).

A grande brincadeira, aqui, é cortar qualquer resquício de escrupulosidade durante toda o desenrolar da estória. Não existem dúvidas, não existem remorsos, sequer anseios antes de passar por cima de qualquer outra pessoa – isto é, na primeira parte da narrativa, que muda completamente de tom no terço final, inteligentemente. A regra, aliás, é exatamente esta: todos os personagens necessitam mover as peças por sobre as intenções do próximo para conseguirem concluir seu atual objetivo. E todos cedem, todos caem. Uma armadilha que pega a qualquer um.

Armadilha que, por sinal, quase prende o próprio Lang, quando começa a ensaiar uma exagerada onda de punição sobre os suas “ovelhas”. Não que o final não seja exatamente isso – e nada mais é do que isso mesmo -, mas o diretor consegue driblar a estupidez de uma decisão como esta (afinal, construir o filme todo acerca da inescrupulosidade descabida e querer julgar tudo depois seria uma grande bobagem) ao retirar uma grande e essencial carta da manga: recuar seus esforços unicamente para a degradação do protagonista, que se fodeu o filme e a culpa foi toda sua. E é neste ato que Edward G. Robinson nos prova o porquê de ter sido um dos maiores atores de todos, comunicando toda a loucura e a danação sem precisar de nenhum outro artifício que não seja sua expressão facial.

Embora a atipicidade do tom pareça desenhar qualquer coisa de sentido completamente oposto em grande parte de sua duração, Almas Perversas é um dos representantes mais genuínos e complexos do cinema noir. O jogo de verdades e mentiras proporcionado através da inserção de uma femme fatale no cotidiano de um cidadão comum, aliás, não apenas vive para ocupar uma das principais posições da lista de grandes filmes deste gênero. Também é, mesmo com a existência de ótimos/excelentes filmes como Os Corruptos, M, Metrópolis e O Diabo Feito Mulher, o principal trabalho de Lang no cinema – dentro daquilo que tive oportunidade de ver até hoje.