quinta-feira, 8 de maio de 2008

Laura (Otto Preminger, 1944)

Fantástica a maneira como Preminger desenvolve seu tratado sobre a obsessão, oportunamente acobertado por uma trama típica de crime noir. E o mais curioso, muito além da inventividade de se repartir o tema sobre três personagens diferentes, armando, assim, um quadro interminável de possibilidades e gradações para estender a brincadeira, partindo da necrofilia ao ciúme em questão de um corte, fica por conta do tom completamente distante de qualquer prejulgamento que conduz desde o princípio a pequena odisséia daqueles três homens – cuja inter-relação jamais deixa de soar misteriosa. Aliás, é muito estranha a forma de Laura, que até a primeira reviravolta impressiona pelo distanciamento que o diretor mantém da ação e, principalmente, pela cadência incomum. É de uma frieza e lentidão mais do que atípicas, até para um filme policial – inclusive para um Preminger, que em Anjo ou Demônio?, pra ficar em uma referência próxima, constrói um melodrama de conteúdo relativamente semelhante e esteticamente – e também no ritmo – muito diferente. Mas tudo não passa de um jogo; brincadeira de identidade. E nem preciso dizer o quanto é sensacional vermos uma personagem ser montada em fragmentos e ter pulso completo antes mesmo de cruzar a tela pela primeira vez. Aliás, quando Laura finalmente adentra a misteriosa cena do crime, numa seqüência que beira o pesadelo operístico, a ‘surpresa’ consegue transmitir uma sensação de perplexidade totalmente inversa. Parece que ela esteve ali o tempo todo – herança, talvez, daquele quadro maldito que ajuda o protagonista a exteriorizar sua crescente obsessão, ou talvez da própria mística em torno da personagem, que faz parte de cada linha de diálogo recitada nas cenas anteriores.

O resultado de tudo isso é o responsável pelo aprisionamento de Laura a um universo distante de todo o cinema realizado até então. Mas é explicável. Um filme romântico que jamais vê o amor de forma romântica, nem mesmo pra tentar fundamentar um sentido oposto, não se permite encaixar em nada. Ao contrário da abordagem de Preminger, fria como uma noite de inverno suíço, Laura é a subversão de todo e qualquer sentimento. Um filme feito do avesso.

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