terça-feira, 13 de maio de 2008

New Rose Hotel (Abel Ferrara, 1998)

Ferrara trancou New Rose Hotel em um universo desparametrizado, moderno-futurista e de energia corporativa, mas seguindo uma espécie de cinema tão improvável quanto pessoal, sempre conduzida por obsessões e fortalecida em torno da tenuidade da imagem, tão frágil e inconcreta quanto à encenação dilatada por entre as relações pessoais deste jogo de enganação sem meios e sem fins. E é impressionante como o fato de se passar quase todo – ou todo mesmo – entre quatro paredes transforma cada milésimo de segundo filmado em uma imagem de significado ofuscado, não apenas pela própria natureza duvidosa das ações que constituem as nuances de interesses e de gradação de poder das três personagens principais em suas inter-relações – Christopher Walken, genial como sempre, junto do misterioso Willem Dafoe, o centro de New Rose Hotel – ou seria New Rose Hotel o centro de Willem Defoe? – e Asia Argento, a sensualidade em pessoa e a prova de que o forte de Dario nem era o cinema, era a procriação – como também pelo fato de reproduzir conscientemente a submersão do filme em um universo incomum, porém jamais deduzido – a não ser através de pequenas nuances, que normalmente fundamentam o discurso de dúvida por sobre a imagem que Abel sutilmente constrói através da captação de ações com os mais diversos meios visuais.

Mas o controle sobre este universo não poderia ser mais seguro, mesmo com toda a incompreensão que brota de um conjunto de medidas tão simples – a ação praticamente inexiste em New Rose Hotel; o que interessa mesmo são a imagem e a superfície em carência de profundidade. E, embora escolha certas prioridades, cada novo tema proposto em diálogo concede aos rumos uma incerteza ainda maior, mesmo que nada seja tão desconcertante quanto à maneira como Ferrara finalmente explicita seus interesses com a desfragmentação lenta e misteriosa daquela pequena realidade. Aliás, poucas coisas são tão imprevisíveis quanto descobrir que New Rose Hotel atinge o ápice no momento em que finalmente parecia desenhar um princípio material para a ação, mesmo que tudo aquilo que havia sido construído antes tivesse uma resolução – que mais parecia um reinício, nova motivação – em funcionamento. Alguns podem considerar auto-indulgência, como bem comprova a falta de simpatia do público para com o filme – nota 4 no IMDB, pouca exibição no cinema na época [nem passou no Brasil], etc., mas parece muito mais um equívoco de interpretação – e o filme é o maior culpado mesmo, já que a todo o tempo brinca com a leitura das imagens e nem se importa de pedir desculpas.

Porque, a partir do momento em que Dafoe adentra aquela simbólica janela dum quarto de um mísero hotel chamado New Rose, procurando o último refúgio e à espera de ser descoberto por seus perseguidores, quando finalmente chega ao ponto-limite, Ferrara mostra que seu filme, no ápice, no clímax, vai andar pra trás. Sinceramente, é coisa que eu nunca havia visto antes, e não se pode negar que há um grande tormento em perceber que a linearidade da estória alcança um tom de ciclicidade completamente irreversível, que elimina qualquer resquício de continuidade. Ferrara se livra do presente e do futuro e concentra os últimos 30 minutos no mais puro estado preterital, não meramente do personagem, como também do espectador, que passa a reviver junto dele tanto os momentos filmados quanto aqueles que foram sobrepostos pelas elipses temporais dos principais encontros anteriores – mas que, em suma, eram sabidos, embora incompreendidos -, menos numa busca de julgar os porquês, mais como forma de esclarecer que o próprio filme jamais fez uso da imagem completamente cristalina, seja ela física [e os constantes slowmotions alienígenas, além das próprias filmagens diegéticas, sob câmeras de vigilância e etc, dão o tom certeiro] ou especificamente substancial, o que, aliás, deixa o mistério em torno da prostituta ainda mais acentuado.

Se algum filme feito nos últimos 20 anos for tão bom quanto New Rose Hotel, por favor, me avisem.

Um comentário:

pseudo-autor disse...

Filmaço, hein? Aliás, difícil encontrar algo do Abel Ferrara que seja ruim. Essa semana que passou vi Maria e Olhos de Serpente (com a Madonna e o Harvey Keitel). Esse último fica como dica - ele me foi recomendado por uma menina de 15 anos - eu eu fiquei absorto.

Saudações cinéfilas!