Um filme menor do noir, mas ainda assim muito bom - mesmo que este seja o grau de qualidade mínimo que algo do estilo pode alcançar, pelo menos quando tem um grande diretor por detrás das câmeras. O Preminger consegue desenvolver toda a ambientalização de forma impecável nos primeiros 25 minutos, concentrando o foco na fundamentação das relações inescrupulosas entre os dois personagens centrais e o mundo que os cerca. Isso sem contar no charme inegável que é atribuído aos poucos e repetidos cenários em que transcorre a estória, principalmente o bar, à beira da praia, com um ar soturno, mas ao mesmo tempo romântico – no sentido de evocar o mais puro dos clichês de gênero, o que de forma alguma tem sentido pejorativo.O mesmo charme, porém, acaba não imperando ininterruptamente no decorrer do filme, que em alguns momentos fica nitidamente monótono, mesmo que estes momentos sejam importantes – mas prolongados em excesso – pra chegar aonde o Preminger finalmente pretendia chegar, no final das contas. E é interessante como, nos quinze minutos finais, ele consegue redirecionar o pressuposto motivo de toda a trama para pelo menos três caminhos diferentes, renovando o filme a cada seqüência, jogando a culpa toda, a princípio, em uma estória de fracasso, mas depois retransformando tudo isso em um conto sustentado por um dos principais temas do noir: a obsessão – e fica clara a influência de filmes como Laura, do próprio Preminger, e Almas Perversas, do Fritz Lang, feitos no ano anterior – mesmo que Laura eu ainda não tenha terminado de ver, por problemas técnicos, mas deu pra notar fácil fácil que o jogo do estúdio foi repetir a dose.
Mas é inegável que Anjo ou Demônio? tenha pelo menos uns dois pares de seqüências sensacionais – a primeira é uma delas, resumindo em prática toda a personalidade do protagonista e dando um tom preciso daquilo que seria desenvolvido mais tarde -, além de um trabalho de câmera e fotografia excepcionais. A direção do Preminger, mesmo insuficiente pra garantir sustentabilidade estável ao filme, impressiona em diversos momentos, mais pelo visual mesmo, com um jogo de câmera inteligentíssimo e muita perspicácia em utilizar as sombras e os macetes estéticos próprios do estilo. E, se o filme termina sem aquele gostinho de obra-prima, ao menos garante uma hora e meia de pura diversão do mais sincero apego às bases do cinema noir. E como vale a pena.
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