quinta-feira, 17 de abril de 2008

Two-Lane Blacktop (Monte Hellman, 1971)

Jamais poderia imaginar que um filme de corrida de carro fosse se transformar em um dos meus preferidos. Mas aconteceu. A minha sorte, porém, é que Two-Lane Blacktop, essencialmente, pode ser qualquer coisa, menos um filme de corrida. É uma experiência devastadora, introspectiva, hipnotizante. Um faroeste moderno travestido de road-movie contracultural que parece ter sido idealizado através de alguma convergência espiritual e ideológica indescritível entre Hawks e Antonioni. Um olhar despido de julgamentos, de predefinições, sobre um universo destituído de passado e presente, de rumo, de sentido, de comos e porquês – um universo de espaço sem tempo. É o desconserto de um grupo de almas mecanizadas – poucas coisas são tão cruéis quanto ver o cotidiano de melhores amigos ter o silêncio quebrado apenas por comentários alienígenas sobre carros e sua mecânica, sobre corridas, apostas e nada mais – que correm, correm, correm, mas não encontram um destino. É a inclusão de fatores externos dentro de uma rotina insípida que não gera nada a não ser a continuidade de um processo cíclico de autodestruição – que, na realidade, não tem fim. Não tem fim, porque se trata da vida de pessoas que já nasceram mortas, encaixotadas, que apenas precisam se dar conta disso – e a tal corrida que apostam ruma unicamente a essa descoberta, e nada mais. Que, assim como um carburador, só têm funcionalidade quando inseridas em meio ao sistema de um automóvel: nulas, caladas, sustentando seu reflexo de inexistência, comparando-se regularmente a peças de carro ou até mesmo a insetos. Pessoas que não possuem nome, chamadas apenas de Piloto, Mecânico e Mulher, sendo que o mais humano deles, ou talvez o único que consiga absorver as multifacetas do mundo que o cerca, recebe simplesmente a denominação de GTO – e é aí que entram James Taylor, Dennis Wylson, Warren Oates e Laurie Bird, talvez o grupo de protagonistas mais genial que já atuou em um filme (mesmo que dois deles sejam músicos, por exemplo – Wylson, inclusive, era nada mais nada menos que um dos integrantes do Beach Boys, bandas das mais geniais). E Hellman sabe que não precisa ser explícito, exagerado, e faz talvez o filme mais sóbrio do mundo. E, por incrível que pareça, o emblemático plano final, com a celulóide queimando, se desfragmentando, depois de a imagem entrar em um processo gradativo de lenteamento em meio a uma seqüência qualquer, é a coisa mais sensata que ele poderia ter feito para encerrar seu próprio filme. Porque o fim, no final das contas, já havia sido celebrado no primeiro frame do filme.

É muito difícil transformar em palavras o que resta de uma experiência tão sensorial quanto Two-Lane Blacktop. Acho que é melhor você fazerem de conta que não leram nada.

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