sábado, 5 de abril de 2008

O Eclipse (Michelangelo Antonioni, 1962)

“Gostaria de não amá-lo ou amá-lo muito mais”, afirma a personagem de Mônica Vitti desta emblemática apoteose de sensações catalisada por Michelangelo Antonioni, um dos maiores mestres do cinema. A sentença, proferida em um dos momentos-chave desta singular obra-prima que encerra a Trilogia da Incomunicabilidade, resume em prática todo o espírito e a estrutura da jornada espiritualmente opaca de dois personagens típicos de Antonioni, que repetem, desta vez juntos, mais uma versão desconcertante do habitual sacrifício sintomático do âmbito das relações humanas.

Em O Eclipse, Antonioni novamente interrelaciona os principais elementos básicos do cinema, a temática e a decupagem, para dar continuidade ao seu infinito discurso sobre o tédio do homem contemporâneo, sufocado pela rotina e pelas enormes construções de concreto, que canalizam seus espaços de fuga para o próprio interior – desta feita, um pedaço morto de poesia que não mais encontra maneiras de sobreviver. A visão, agora, é atirada sobre o amor, ou melhor, os relacionamentos amorosos, nada além de um processo de repetição contínua e irredutível, diante da interferência direta do mundo modernizado.

Um amor exausto, irrenovável, que não permite espaço ao que ainda não fora contagiado pela mesmice e pela imensurável distância de espírito entre o homem e o mundo – ou quem o habita. Pois o filme, que começa com o afastamento pleno (mesmo que a plenitude não seja física, palpável) entre ambas as partes de um casal, permitindo a certeza de que jamais fornecerá o reencontro, conclui-se da mesma forma, ainda que sem brigas ou nem mesmo crises, deixando no ar um tom de despedida indesejada que transpira por cada frame, cada enquadramento.

Todo o tédio, a longa espera por algo que parece jamais chegar, é transposto para a estrutura narrativa, prolongando a cada momento a sensação de que a obra terá um fim. Porque o fim, na realidade, não deixa de ser o próprio começo. O mundo já está morto. Os meios não mais justificam nada. O desconforto encobre tudo. Amor. Desejo. Felicidade. Os sentimentos foram enterrados. A vida avança, se renova, mas permanece a mesma. A sensação de cansaço parece não sumir jamais. E nada mais coerente do que concluir o inconclusível com o silêncio; o vazio ;o desconforto; a incerteza; o desolamento; a frieza. Ou, quem sabe, simplesmente, a inconclusão.

Porque não seria exagero algum afirmar que o final de O Eclipse, no qual Antonioni elimina os personagens de cena para fotografar pequenos cantos vazios da cidade, vagando sem rumo com sua câmera densa, inquieta, através de esgotos, sarjetas e construções incompletas, e terminando o desfecho com a imagem do sol se apagando para dar espaço às luzes da cidade, é o melhor, mais simbólico, representativo e impressionante de todo o cinema. Porque o eclipse, período durante o qual o mundo pára, estagna, foi transportado da natureza para a sociedade contemporânea, através da automatização das relações humanas. E o alvo do encobrimento, desta forma, são os próprios sentimentos.

3 comentários:

Anônimo disse...

Valeu por me lembrar que o Antonioni fez um dos mais contundentes cinemas já feito.

Tenho qeu ver mais. Muito mais. De preferência tudo. Logo.

James Dean disse...

do cinema europeu, pelo qual sou fascinadíssimo, os filmes que mais tenho vontade de ver são os da "trilogia da incomunicabilidade" de Antonioni.

"A Noite", com o meu querido Mastroianni, parece ser o melhor.

vê se assiste esse e comenta aí Dan, hehe.

Daniel Dalpizzolo disse...

A Noite é o único que me falta. O primeiro, A Aventura, eu já vi, e é um troço genial demais.

Mas certamente nenhum Antonioni se compara a O Eclipse. Esse é o ponto em que toda a sua filosofia converge em uma única seqüência que, sem palavras, resume por completo a razão de ser de seu cinema.