sábado, 22 de março de 2008

Made in U.S.A. (Jean-Luc Godard, 1966)

Nos minutos finais de Made in U.S.A, que mostram o retorno de Anna Karina para casa, depois do fracasso de sua jornada em busca da verdade sobre a morte de seu marido, uma frase incrível resume toda a filosofia cinematográfica de Godard. Ao ser indagada por seu amigo sobre os benefícios da aventura em terras do Tio Sam, a mocinha afirma ter sido proveitosa, devido ao fato de ter feito durante ela algo que nunca havia imaginado fazer na vida: matar duas pessoas.

No fim, a afirmação acaba resumindo todo o pretexto desta divertidíssima e inusitada aventura policial do mestre da descontinuidade. Sim, por que o tal marido nada mais é do que um McGuffin dos mais originais para arremessar Anna Karina de encontro às mais deliciosas e surtadas situações, pessoas e conversas pseudo-farofas – algo que o Godard sabe fazer como ninguém, diga-se de passagem -, além de servir para mais uma daquelas aulas de filosofias pseudo-engajadas-marxistas-etc (embora ainda bem discretas) e de discussões políticas (conforme Anna Karina afirma dentro do próprio filme, tudo não passa de uma obra da Disney protagonizada por Humphrey Bogart e com fortes intenções políticas, uma definição primorosa).

E é incrível como o diretor do melhor filme do mundo consegue transformar com propriedade a maior de todas as bobagens em uma coisa absolutamente hilária, fantástica, como, por exemplo, a conversa no bar com o homem que odeia “sentenças”, facilmente uma das seqüências mais inusitadas de todo o cinema (“Descreva este bar”. “Hm. Eu vejo copos, mesas, janelas, garrafas, um barman...”. “Barman? Eu não estou vendo barman nenhum!”. “Mas eu vejo. Está na minha frente”. “Na sua frente? Eu estou na sua frente, e não tem nada entre nós dois”. “Sim, mas você é o barman, esqueceu?” haha) – mas não é este o diálogo do “odeio sentenças”, hehe.

Engraçado também que, em meio ao turbilhão de cores e vai-e-vens que Godard constrói ao longo da uma hora e meia de filme, uma coisa genial ganha notório destaque, por ter sido reproduzida por Tarantino (confesso, de forma bem menos criativa e funcional) na obra-prima máxima da década vigente, Kill Bill – que certamente resguarda muitas semelhanças com este filme (aliás, que em certos momentos parece ter sido co-dirigido pelo sósia do Samuel Rosa, hehe). Toda a vez que a moça, ou qualquer outro personagem do filme, vai pronunciar o sobrenome do maridão, o som é encoberto por algum outro barulho (buzina, grito, tiros, o que seja) – e isso sempre acontece de uma forma completamente inusitada, inesperada, sempre.

Às vezes o ritmo do filme parece ser demasiadamente lento, mas tudo fortalece a construção do quebra-cabeças insolucionável atirado ao colo da protagonista. Mas o mais interessante é o quanto a decupagem é bem mais contida do que o habitual na filmografia do diretor, mais no sentido de montagem e edição do que no de composição cênica e direção de arte, que continuam surtadíssimos. Independente disso (ou talvez exatamente por isso), Made in U.S.A é um trabalho bastante inusitado, porém extremamente divertido, recheado de poesia e, principalmente, de diversos aspectos e momentos absolutamente geniais – provando para mim mesmo que ver Godard com legendas em inglês nem é tão difícil quanto parece ser.

P.S: Este é o último filme de Godard com a musa maior do cinema, Anna Karina.

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