domingo, 23 de março de 2008

O Jogador (Jean-Pierre Melville, 1956)

Onze anos antes de realizar um dos melhores filmes do mundo, Jean-Pierre Melville já experimentava a inusitada exposição sentimental das peças que compunham o submundo do crime francês – ingrediente principal de sua filmografia. O resultado deste promissor projeto não consegue nem mesmo chegar próximo às expectativas refletidas pela estória interessante e, principalmente, pela assinatura do mestre de O Samurai - não bastasse tudo isso para apimentar a sessão (e aumentar a decepção), valeria dizer ainda que O Jogador também é considerado um dos mais fundamentais precursores da nouvelle vague francesa.

Mas é inegável a presença constante de algumas das características mais importantes daquilo que viria a ser a nouvelle vague, a partir de 1959 – sendo que o filme é de 1955. A primeira meia-hora (e estou sendo generoso na contagem), por exemplo, não desenvolve absolutamente nada em termos de trama (não que isso seja próprio ou fundamental aos filmes de Truffaut, Godard e Cia, claro), servindo apenas para apresentar os principais personagens, em especial o protagonista, Bob, e costurar os laços sentimentais e afetivos entre eles e suas respectivas moçoilas graciosas – fato que, embora seja imprescindível para o desenvolvimento da idéia de Melville, torna esta primeira parte cansativa e arrastada demais, sem foco.

Tudo poderia ser perdoado caso o filme conseguisse ser algo mais forte na segunda parte, quando o circo realmente pega fogo. Novamente, isso não acontece, e os caminhos mais interessantes a serem percorridos acabam se fechando automaticamente para o desenrolar da estória de crime fracassado de Melville. Embora construa de forma interessante toda a articulação do plano e alguns pequenos aspectos que envolvem a premeditação do fracasso, como por exemplo as complicações com a namorada de um dos integrantes do bando, que tem um caso com um policial, o diretor perde várias oportunidades de reverter a banalidade (por ser uma trama ordinária mesmo, o que não necessariamente é um problema) em prol do produto final, concluindo tudo de maneira interessante, porém simplista demais (e tentando posar de bacana).

No fim, acaba não sendo um mau filme em virtude de algumas grandes qualidades, a maior parte delas técnicas, como a fotografia e a direção de arte exuberantes e a facilidade com que elas são utilizadas a favor de toda a ambientação da obra, além de algumas seqüências verdadeiramente boas e do reforço na humanização das peças que compõem o quadro de personagens principais. Mas o gosto que deixa é de que poderia ter sido algo muito, muito melhor, se não fosse tão mal cozido assim – uns 30 minutos a mais da idéia no forno e o resultado poderia ter sido realmente empolgante. Mas Melville tem crédito mesmo assim, e faz uns rabiscos da genialidade que apresentaria mais de uma década depois.

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